Relativamente à questão do pagamento dos danos ocorridos num sinistro, entre veículos motorizados e utentes vulneráveis, a MUBi tem vindo a defender nos últimos anos a introdução do Princípio da Responsabilidade Objetiva de forma clara e explícita, na legislação portuguesa. Apesar de ser um conceito relativamente fácil de perceber, continuam a subsistir dúvidas sobre o que significaria na prática.

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Eis as Perguntas Mais Frequentes que temos recebido sobre  Responsabilidade Objetiva (RO):

A aplicação da Responsabilidade Objetiva implica que o condutor do veículo a motor seja considerado culpado em todo e qualquer sinistro envolvendo um ciclista ou peão?

Não. A RO ou Responsabilidade pelo Risco é um conceito que não remete para a culpa pelo sinistro mas sim para a obrigação de indemnizar os mais vulneráveis pelos riscos próprios ao veículo a motor. Não aborda a “culpa” mas remete para a necessidade de indemnização por causa dos riscos próprios ao veículo a motor, independentemente de quem for considerado posteriormente culpado.

A aplicação da RO implica que o condutor do veículo a motor tenha que indemnizar o utilizador mais vulnerável em todo e qualquer tipo de sinistro?

Não. Mesmo nos casos em que, por aplicação da RO, haja obrigação de reparação quanto aos danos (materiais ou pessoais) causados a lesados vulneráveis, é sempre, em primeira linha, o seguro obrigatório do veículo a motor que o deverá fazer.

A aplicação da RO implica que a seguradora do veículo a motor tenha que indemnizar o utilizador mais vulnerável em todo e qualquer tipo de sinistro?

Não. A RO varia bastante de país para país. Mesmos nos casos de indemnização automática e completa, existem sempre critérios de aplicação que dependem de vários factores, por exemplo: do modo de transporte do lesado, da idade do lesado, da intencionalidade provada do lesado, etc. Por exemplo, caso o veículo a motor esteja parado, pode excluir-se o sinistro do processo de RO. Em alguns casos, mesmo com aplicação da RO, existe a possibilidade de a seguradora reduzir a indemnização pelos danos que é obrigada a pagar, caso prove a culpa do utente vulnerável, em tribunal.

Existem alguns países em que certo tipo de utilizadores vulneráveis têm indemnização automática antes de haver averiguação de culpabilidade?

Sim. No entanto, atenção, existem sempre excepções e critérios. A título de exemplo, mostramos a complexidade dos critérios nos Países-Baixos. Incluímos aqui um fluxograma que explica que, para casos de não intencionalidade, os menores de 14 anos têm sempre direito a 100% de indemnização por parte da seguradora, e as pessoas a partir dos 14 anos pelo menos a 50%:

Dutch RO

Para além dos Países-Baixos há outros países que usam a RO em relação aos sinistros que envolvem os mais vulneráveis?

A maioria dos países europeus aplica a RO. Dados de 2008 apontam para 17 países, da então EU27, onde se encontra consagrada na lei algum tipo de “strict liability”.

No caso da França, por exemplo, as vítimas mais vulneráveis – peões ou ciclistas – “são indemnizados ​​por danos decorrentes de atentados feitos à sua pessoa, sem que seja possível invocar a sua culpa, exceto nos casos em que a sua negligência grosseira seja a única causa do acidente”. No caso dos idosos com mais de 70 anos, crianças menores de 16 anos e portadores de mais de 80% de deficiência a indemnização é automática e completa.

Na Alemanha, a Responsabilidade Objectiva existe, desde que surgiram os motores de combustão interna. A lei alemã coloca a responsabilidade em quem operar uma máquina que tem a potencialidade de provocar lesões corporais em terceiros (Betriebsgefahr): uma motoserra, um comboio, uma faca, … Mas como já se explicou acima, essa responsabilidade pode ou não significar culpa do operador. A lei, na Alemanha (assim como em muitos outros países, Dinamarca, Áustria, etc) tem em consideração que uma pessoa que opere uma máquina inerentemente perigosa será considerada responsável, mesmo em certos casos em que cumpra as regras. Por isso, se um sinistro acontece, este risco inerente de operar uma máquina potencialmente perigosa é sempre tido em consideração, tendo como resultado que, quase sempre, o condutor do veículo a motor será, pelo menos, parcialmente responsável. Esta responsabilidade de compensação é transferida para o seguro obrigatório do veículo a motor.

“Do ponto de vista do legislador alemão, o uso de um veículo a motor envolve um risco acrescido de causar danos, pelas características particulares do tráfego motorizado (o seu peso significativo e a possibilidade de velocidades elevadas). Por isso, os veículos motorizados representam uma fonte de perigo muito específica. Quando este perigo se materializa, e são causados danos, o indivíduo que controla o veículo a motor deve ser responsável por reparar os danos.” http://www.strassenverkehrsrecht.net/index.php/haftungsfragen/betriebsgefahr




Quanto aos termos concretos da aplicação da RO em Portugal, é um debate a realizar pela sociedade civil, com a ajuda de juristas e instituições públicas e privadas. A MUBi dará a sua contribuição com o maior espírito de abertura, e sempre no sentido de proteger de forma correta e justa os mais vulneráveis.

Outras fontes:

Artigo da wikipedia sobre Responsabilidade Objectiva (Português) e Strictly Liability (Inglês)

Loi de Badinter (Artigo wikipedia – Francês)

Texto da Lei de Badinter (Francês)

em especial art.º 3.º –

As vítimas, com a exceção de condutores de veículos terrestres a motor, são indemnizados ​​por danos decorrentes de atentados feitos à sua pessoa, sem que seja possível invocar a sua culpa, exceto nos casos em que a sua negligência grosseira seja a única causa do acidente.

As vítimas identificadas no parágrafo anterior, que, quando menores de 16 anos ou com mais de 70 anos, ou que, quando, independentemente da sua idade, possuam, no momento do acidente, um título que lhes reconhece uma incapacidade permanente ou de invalidez de pelo menos 80% são indemnizados, em todos os casos, por danos decorrentes de atentados que sofreram à sua pessoa.

No entanto, nos casos mencionados nos dois parágrafos anteriores, a vítima não é indemnizada pelo autor do acidente, relativamente aos danos provocados à sua pessoa decorrentes do sinistro, quando aquela procurou, voluntariamente, o dano que sofreu.

Artigo 3.º da Lei de Badinter

«Les victimes, hormis les conducteurs de véhicules terrestres à moteur, sont indemnisées des dommages résultant des atteintes à leur personne qu’elles ont subis, sans que puisse leur être opposée leur propre faute à l’exception de leur faute inexcusable si elle a été la cause exclusive de l’accident.

Les victimes désignées à l’alinéa précédent, lorsqu’elles sont âgées de moins de seize ans ou de plus de soixante-dix ans, ou lorsque, quel que soit leur âge, elles sont titulaires, au moment de l’accident, d’un titre leur reconnaissant un taux d’incapacité permanente ou d’invalidité au moins égal à 80 p. 100, sont, dans tous les cas, indemnisées des dommages résultant des atteintes à leur personne qu’elles ont subis.

Toutefois, dans les cas visés aux deux alinéas précédents, la victime n’est pas indemnisée par l’auteur de l’accident des dommages résultant des atteintes à sa personne lorsqu’elle a volontairement recherché le dommage qu’elle a subi.»

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