Foto: Marisa Alves, Av.  do Brasil, Porto

Foto: Marisa Alves, Av. do Brasil, Porto

Recentemente, a empresa municipal Águas do Porto apresentou uma proposta de plano de estrutura para a frente marítima do Porto.

Segundo a empresa, “A Participação Pública é considerada, desde o momento inicial de delineação do Plano de Estrutura para a Frente Marítima do Porto, como um pressuposto inequívoco para o seu sucesso, visando a informação e a consulta de todos os interessados.

Com este modelo pretende-se criar uma sinergia entre as entidades públicas e privadas, e os cidadãos, implementando uma gestão direcionada para as questões da sustentabilidade e promovendo uma oportunidade única a nível regional e local de compatibilização entre questões de conservação, socioeconómicas e funcionais.”

Todos os interessados foram convidados a emitir as suas opiniões, até 6 de janeiro de 2015. Ainda segundo a entidade, “Toda a participação, entregue dentro do prazo, servirá como complemento de avaliação, sendo as questões pertinentes integradas no Relatório Final.”

A 16 de Dezembro de 2014 decorreu uma sessão pública de apresentação da proposta do Plano de Estrutura para a Frente Marítima do Porto. A apresentação pode ser consultada aqui. As peças escritas e desenhadas encontram-se disponíveis em “Fase 5 – Proposta de plano de estrutura para a frente marítima“.

Excerto dos desenhos do plano. Fonte: Águas do Porto

Excerto dos desenhos do plano. Fonte: Águas do Porto (carregue para aumentar)

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Excerto dos desenhos do plano. Fonte: Águas do Porto (carregue para aumentar)

A MUBi, cumprindo com os seus estatutos, contribuiu com um parecer, que se reproduz abaixo:


O parecer da MUBI pode ser descarregado em PDF, aqui.

 

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A MUBi, na defesa da sua finalidade social e ciente  da responsabilidade que lhe incumbe nesta matéria, emite o seu parecer genérico com base no documento por ela elaborado “Princípios de ação para a melhoria da segurança rodoviária dos utilizadores de bicicleta” (v. Anexo 1).

Primeiramente, lamentamos a dificuldade técnica no acesso às peças, dada a dimensão digital dos ficheiros e a dificuldade de uma consulta fácil, possível apenas através de meios tecnológicos adequados, facto que dissuade os munícipes interessados de uma consulta rápida e eficaz, tanto mais que o período de consulta é curto e se sobrepõe às festividades da época.

Posto isto, adotaremos um processo descritivo no sentido Norte – Sul, por tramos, considerando as especificidades das várias partes que compõem o traçado, na sua globalidade.

Comentários genéricos

Consideramos que é essencial acautelar questões de segurança e conforto, na fruição de toda a área a ser intervencionada, para todos os utilizadores, nomeadamente os mais vulneráveis.

À luz da hierarquia de decisão estabelecida nos “Princípios de ação para a melhoria da segurança rodoviária dos utilizadores de bicicleta” (ver Anexo 1) para a segurança dos mais vulneráveis,  impõe-se que se façam os seguintes comentários:

  1. Redução do volume de tráfego motorizado

Entendemos que a intervenção sugerida, ao propor a supressão de uma via destinada ao trânsito rodoviário, poderá induzir uma redução do volume de tráfego motorizado, ao encorajar os veículos motorizados de atravessamento a usar vias alternativas. No entanto, ao continuar a permitir o uso das avenidas do Brasil e Montevideu como promenade viária, faz com que esse controlo de capacidade seja feito pelo congestionamento (e poluição inerente) não se vislumbrando no projeto outras formas de intervenção planeada para a redução do tráfego de atravessamento.

  1. Redução da velocidade de circulação do tráfego motorizado

Parece-nos que as estratégias de acalmia promotoras da redução de velocidade não estão asseguradas, através de dispositivos físicos como plataformas na aproximação a passadeiras – e tal é possível implementar em todos os atravessamentos que não se encontrem junto a cruzamentos – mas, também, propondo semaforização adequada para a redução de velocidades.

 

  1. Tratamento das interseções e gestão de tráfego que aumentem a segurança de todos os utentes

Nada no projecto que foi disponibilizado sugere um tratamento das interseções mais seguras para os mais vulneráveis. Sugerimos que as interseções sejam tratadas como áreas onde a redução da velocidade tem que ser particularmente evidente, devendo providenciar-se estratégias para que essa redução ocorra não em cima da interseção, mas sim à sua aproximação.

 

  1. Redistribuição do espaço afeto à circulação motorizada para a implementação de passeios mais largos ou de canais dedicados à circulação de bicicletas.

Tendo tido os cuidados apresentados acima e a função de lazer da via, parece-nos aceitável a segregação da bicicleta e a opção pela bidirecionalidade da via ciclável prevista, considerando a ausência de interseções.

Congratulamo-nos com o aumento generalizado de área de passeios, cuja abundância consideramos crucial em todo o trajeto alvo de intervenção, uma vez que o passeio do lado poente é utilizado, também, tradicionalmente, para atividades desportivas como jogging ou footing.

De facto, na situação atual, a ciclovia existente na av. Montevideu e na av. do Brasil induz uma velocidade pouco compatível com o trânsito de peões, para além de estar localizada à cota do passeio e sobre ele. Há conflitos frequentes entre peões e ciclistas por desrespeito mútuo das marcações existentes.

Contudo, ao colocar a circulação do elétrico aparentemente à cota do passeio (e das bicicletas), a eventual opção de não incluir uma delimitação ótica e com textura de pavimento diferenciadora não nos parece aconselhável.

A MUBi considera que há um aspeto do plano que não foi possível conhecer e que consideramos ser essencial para avaliar a segurança da proposta: a semaforização. Especificamente, referimo-nos à semaforização respeitante às travessias de peões e de bicicletas e a sua conjugação com os atravessamentos do elétrico. A existência de semaforização para o trânsito rodoviário implicitamente deverá prever a semaforização da ciclovia e do canal do elétrico, para salvaguarda dos peões, em particular das pessoas com mobilidade condicionada, invisuais e outros (carrinhos de transporte de crianças, cadeiras de rodas).

1.ª secção

Verifica-se já no concelho de Matosinhos, na av. Norton de Matos, a existência de uma marcação incipiente no passeio de uma ciclovia à qual o presente estudo parece vincular-se, dando-lhe sequência (v., por exemplo, Desenho n.º 05). A existência deste tipo de marcação induz no ciclista a ideia de que possui um direito ao uso deste espaço, para utilização exclusiva e a qualquer velocidade, situação que manterá um grau de insegurança semelhante ao existente atualmente. Assim, entre a praça da Cidade do Salvador e a praça Gonçalves Zarco, consideramos que não deverá existir qualquer ciclovia delimitada. Naturalmente, a velocidade dos ciclistas é autorregulada pelo número de peões existentes. Entendemos que todo este espaço deverá ser partilhado, como na prática já se verifica, sem prejuízo da segurança de todos. Chama-se a atenção para o facto de, a existir uma marcação – uma via ciclável – esta potenciará a velocidade dos ciclistas e exigirá a existência de interrupções para a criação de passadeiras para o atravessamento de peões, uma vez que se trata de um canal viário. O estudo em discussão pública sugere uma ciclovia que vai serpenteando uma zona pedonal sem qualquer critério legível de adaptação ou ajuste à área que a envolve nem ao fluxo de peões.

Entendemos que, a haver ciclovia, deverá acompanhar o canal do elétrico, à semelhança do critério seguido na av. Montevideu e na av. do Brasil, sendo igualmente bidirecional, mesmo que para tal seja necessária a supressão de uma via de circulação reservada ao automóvel, contribuindo, de alguma forma, para a redução da velocidade do trânsito motorizado. Realçamos que este canal dedicado à bicicleta deve ser fisicamente segregado e instalado à mesma cota da rodovia – situação que deve ser homogénea em todo o traçado, incluindo na av. Montevideu e do Brasil, em consonância com o que está previsto, mais a Sul, para o Passeio Alegre, conforme se pode ver no Desenho n.º 22 – corte DD’.

 

A existência de uma ciclovia acima da zona de lazer, de acesso à zona balnear, na cota mais alta, implementada na Via do Castelo do Queijo, entre a Praça Gonçalves Zarco e a Praça Cidade S. Salvador, a acompanhar o canal do elétrico, não obsta a que a cota baixa pedonal, junto às esplanadas e de acesso à praia, à frente do Edifício Transparente, seja de partilha entre peões e bicicletas, identificando-a como zona de partilha.

 

2.ª secção

Relativamente à praça Gonçalves Zarco, o mesmo princípio da Av. do Brasil e da Av.  Montevideu deve aplicado: a haver ciclovia, deve ser ao nível da rodovia e a acompanhar o canal do elétrico, do lado da circulação do trânsito.

Nas zonas de interceção entre o canal do elétrico a ciclovia e a rodovia, nas confluências da rotunda Gonçalves Zarco, pressupõe-se que a semaforização venha a assegurar todos os fluxos viários (incluindo os cicláveis) e pedonais, com tempos de espera que privilegiem os utentes mais vulneráveis.

No início da av. Montevideu, à aproximação da rotunda de Gonçalves Zarco, para quem circula na ciclovia no sentido Sul – Norte, não é clara a possibilidade de viragem à direita, em direção à av. da Boavista:

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Plano de Estrutura para a Frente Marítima do Porto, Volume 6, p. 9 (destaques nossos)

 

Nas interseções (não desejáveis) entre a ciclovia e o carril, o ângulo de interseção (a existir) deve ser o mais perpendicular possível, por forma a tornar o atravessamento de canais mais seguro (v. artigo da MUBi sobre a convivência entre bicicletas e carris em: https://mubi.pt/2014/05/23/os-carris-do-eletrico-e-bicicleta/).

O atravessamento da Av. Montevideu, da Av. da Boavista e, genericamente, de todas as travessias, deverão contemplar semáforos com botoneira de chamada para o ciclista/peão ou a existência de sensores. O princípio subjacente é evitar a acumulação de ciclistas na ciclovia e induzir uma acalmia do tráfego automóvel.

 

3.ª secção

Relativamente à ciclovia nas Av. Montevideu e  Av. do Brasil, entendemos que deverá ser instalada à cota da rodovia e não à cota do passeio. Relativamente à semaforização, sempre que o semáforo que controla as passadeiras de atravessamento desta via esteja verde para os peões, deve contemplar semaforização correspondente para a ciclovia e para o canal do elétrico. Dito de outro modo, qualquer peão que atravesse a av. do Brasil e a av. Montevideu nas passadeiras previstas, deve fazê-lo em total segurança, atravessando todos os canais: rodovia, ciclovia e carris do elétrico com o sinal verde no mesmo ciclo.

Não se percebe o motivo que leva a ciclovia a não ter passadeiras em toda a extensão das duas avenidas referidas. Com efeito, todos os canais devem prever o atravessamento de peões em passadeiras concebidas para o efeito.

 

4.ª secção

Já no troço da rua Coronel Raúl Peres, o estudo suscita algumas questões sobre a sua exequibilidade. A ciclovia prossegue à cota alta, no lado poente. Ora, existe um prédio urbano habitado e comércio, no lado nascente, ao qual o acesso não será, aparentemente, possível, conforme a imagem mostra:

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Fonte: https://www.google.pt/maps/@41.1507599,-8.6770229,3a,75y,47.42h,73.02t/data=!3m4!1e1!3m2!1sMnBmcjaupXSbuTx8W3o-JA!2e0!6m1!1e1

Note-se que, a manter-se a ciclovia na cota alta, esta deverá implantar-se, ainda assim, a uma cota mais baixa do passeio, sugerindo uma distinção no uso, ou existir uma guia de separação face à zona de circulação pedonal.

 

5.ª secção

O troço entre a rua Coronel Raul Peres e a av. D. Carlos I sugere uma opção em que a ciclovia circula entre os peões, à semelhança do que se passa junto ao Edifício Transparente, a norte. Sugerimos que, nesse tramo, a ciclovia acompanhe a rodovia. Depois, a acompanhar o jardim do Passeio Alegre, na av. D Carlos I, sugerimos que a ciclovia seja colocada paralelamente e junto do canal do elétrico ou segregada, a uma cota mais baixa da do passeio, caso se opte pela solução para o canal do elétrico em que este segue pela rua do Passeio Alegre. Em qualquer das circunstâncias, deverão ser asseguradas as travessias de peões entre o jardim do Passeio Alegre e o passeio, junto ao rio. Sempre que haja atravessamento da ciclovia em toda a sua extensão por parte de peões, em passadeiras marcadas para o efeito, e considerando que a ciclovia, em toda a extensão do projeto estará construída a uma cota mais baixa – ao nível da rodovia – defendemos a existência de plataformas rampeadas de modo a que as passadeiras atravessem a ciclovia à cota do passeio.

Os perfis tipo apontam para uma variabilidade dimensional da largura da ciclovia, facto que não se deve verificar. Na verdade, desconhecemos a largura do canal para bicicletas.

Dada a ambiguidade da forma como a ciclovia tem o seu desfecho ou início, recomenda-se que tal situação seja desenhada, por forma a garantir a segurança quer da inserção na rodovia, quer no acesso da rodovia à infraestrutura ciclável.

A MUBi mostra-se disponível para futuros contactos com as entidades competentes, no sentido de contribuir com a visão dos utilizadores da bicicleta em contexto urbano como forma de deslocação preferencial, para a construção de um ambiente viário no Porto, que seja mais humanizante, que aproxime os munícipes e contribua para uma visão de um Porto moderno, atento à sustentabilidade, aos cidadãos que se deslocam a pé, aos idosos e às crianças.

A Direção da MUBi.

Porto, 5 de janeiro de 2015.

O parecer da MUBI pode ser descarregado em PDF, aqui.

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Anexo 1 – Princípios de ação para a redução do perigo rodoviário dos utilizadores de bicicleta.

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