A MUBi reuniu várias vezes, entre janeiro e abril de 2014, com a Câmara Municipal do Porto, a propósito da mobilidade em bicicleta na cidade. Foram quatro importantes reuniões, com a Vereadora da Mobilidade, Cristina Pimentel – tendo também estado presentes, em alguns dos encontros, os vereadores da Inovação e Ambiente, Filipe Araújo, e do Urbanismo, Correia Fernandes – e equipas técnicas, em que se considerou que uma nova etapa se estava a abrir na cidade. Políticos e técnicos camarários ouviam finalmente os utilizadores da bicicleta.

A auscultação e envolvimento da associação, no desenvolvimento das infraestruturas e, em particular, de uma ideia de cidade, augurava uma postura política aberta à participação pública de forma continuada e dialogante, a exemplo do que acontece nas melhores práticas europeias. Quer-se pois acreditar que foi de boa-fé que a MUBi foi chamada a reunir-se com o executivo e os técnicos, no início de 2014.

Nos encontros com a câmara do Porto, a MUBi manifestou a sua extrema preocupação com a solução que foi adotada para a requalificação da Avenida da Boavista. Nessas reuniões, a MUBi fez uma apresentação, onde justificou por que é que algumas das soluções implementadas na avenida são extremamente perigosas, estando perfeitamente catalogadas nos manuais técnicos da especialidade como tal, e já foram abandonadas há muito pelas boas práticas europeias. Consequentemente, a Câmara Municipal do Porto não as deve adotar a não ser que queira pôr em causa a segurança de pessoas para “mostrar obra”, o que é profundamente irresponsável e lamentável. A formalização de uma faixa ciclável encostada ao estacionamento automóvel, sem qualquer tipo de proteção, e descontínua, acentuada pela intermitência da cor do pavimento, torna a infraestrutura dedicada às bicicletas inútil e perigosa, como se pode verificar na fotografia:

 

Da parte da Câmara do Porto, relativamente à obra na Avenida da Boavista, houve o compromisso de que a instalação da infraestrutura cicloviária deveria ser precedida de um estudo (abarcando diferentes cenários e hipóteses de projeto) que permitisse avaliar, criteriosamente, qual a solução mais segura e adequada para aquele eixo urbano, atendendo aos diversos perfis de utilizadores (faixa etária e regularidade de uso) e a uma política de mobilidade pensada de forma integrada, que tivesse como princípio básico a continuidade das soluções adotadas e a discriminação positiva dos modos de locomoção mais saudáveis. Encontrando-se a obra numa fase inicial, levantou-se a hipótese de proceder a pequenas alterações, que podiam passar, no limite, pela eliminação da ciclofaixa, prevendo-se em contrapartida a formalização de outro tipo de soluções, mais leves mas mais ajustadas (marcação de sharrows ou a formalização de bike boxes nos cruzamentos semaforizados).

É com preocupação que a MUBi verifica agora a insistência em adotar uma solução técnica errada e perigosa.

A ciclovia de 130 cm ou 110 cm, consoante o local onde se meça, é já por si desconfortável e perigosa – contrariando mesmo o regulamento do Plano Diretor Municipal, que no seu art.º 53 determina que a largura das ciclovias não deve ser inferior a 1,5 m. Encostada às bacias de estacionamento é uma solução criminosa, ao desvalorizar a grande probabilidade de choque com a abertura das portas dos automóveis, para além de potenciar um choque dramático do espelho retrovisor direito dos autocarros com a cabeça do utilizador da bicicleta, situação que por pouco já aconteceu com alguns dos nossos associados.

Finalmente, o facto da ciclofaixa ser demasiado estreita e tendo em conta a sua posição, leva a que um condutor do automóvel não se aperceba do canal em questão, não havendo, também, qualquer demarcação no seu início e término. As suas inúmeras interrupções para dar acesso às rampas de entrada e saída dos prédios são um reflexo claro da filosofia adotada: prioridade ao automóvel.

Numa fase da vida da cidade em que o número de utilizadores da bicicleta é muito baixo e a adoção deste modo de transporte é incipiente, urge assegurar condições que assegurem um nível de conforto e de segurança real e não ilusório – em muitos casos a “solução” é mesmo mais perigosa do que manter a indesejável situação anterior. Quem circular na vias para velocípedes da avenida da Boavista – nos tramos recentemente requalificados – terá uma falsa sensação de segurança e poderá eventualmente ser alvo de atropelamento, considerando a perigosidade da solução adotada.

Outra situação potencialmente perigosa são os “ganchos à direita”, conforme as imagens documentam, de ambos os lados da rua:

 

Para além do mais, os ciclistas que optarem por circular fora da ciclovia, conscientes do perigo da situação atual, poderão ser alvo de atitudes mais agressivas por parte do restante tráfego, cujos condutores poderão não compreender a sua opção, ainda que o Código da Estrada a permita.

 Aparentemente boa solução, a ciclovia conforme formalizada representa uma armadilha, potencialmente mortal, podendo dissuadir o trânsito de ciclistas nos canais propostos, esvaziando-os de sentido.

Por todas estas razões, e antes que algo de muito grave aconteça, a MUBi para além de alertar, mais uma vez, para os perigos da solução, e para as responsabilidades que  podem ser assacadas à Câmara do Porto (por lesões ou morte de pessoas e negligência nas disposições quanto à segurança rodoviária), exige que sejam restabelecidas as condições mínimas de segurança, conforme é aconselhado em qualquer manual básico de desenho de infraestruturas para bicicletas.

A título de exemplo do que poderá ocorrer, deixamos a notícia de uma morte de um condutor de bicicleta que foi esmagado pelos pneus de um camião, em Sydney, Austrália, no passado dia 27 de fevereiro, devido a uma porta de um automóvel se ter aberto, no momento da passagem da bicicleta. O contexto rodoviário é em tudo semelhante ao da avenida da Boavista:

Fonte: http://www.9news.com.au/national/2015/02/28/19/57/dramatic-footage-emerges-of-cycling-fatality

Algumas infografias poderão explicitar de uma forma mais clara a razão pela qual há uma efetiva preocupação face à nova configuração do perfil rodoviário da Avenida da Boavista:

Fontes:

http://humantransport.org/

http://commuteorlando.com/

3 Responses to Câmara do Porto persiste em manter uma solução perigosa para as bicicletas na Avenida da Boavista

  1. Nao me lembro bem da conformaçao desta avenida, mas tem certeza que colocar uma ciclovia estreita ao lado das zonas de estacionamento sem nenhuma forma de protecçao pode aparecer uma soluçao pior que a situaçao anterior. Neste caso onde a avenida esta rectilinea, a melhor soluçao teria sido diminuir e ralentir a velocidade dos automoveis, com so uma faixa pelos carros (nao sei se tem uma ou duas).
    Ao momento das reunioes, a mubi fez propostas neste senso?
    Eu sei que ter eleitos e tecnicos sensibilizados na causa da biciclieta urbana esta ainda raro hoje em dias. E eles estao muitas vezes lutando dentro da camara para fazer avançar esta causa. Por isso a Mubi nao receia fazer abandonar a camara implementar um ordenamento novo, se colocar a fasquia muito alta, mesmo se a Mubi tem razao no fundo? Tudo esta nas relaçoes entre a mubi e a camara…
    A Mubi foi consultada antes da implementaçao do projeto?

  2. Alberto Pereira diz:

    Bastava passar a taxa para ciclistas para o centro da avenida, com protecções laterais, como ha em parte do trajecto. Será difícil ?

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