Na última quinta-feira dia 23 de Junho teve lugar a segunda sessão do “Ciclo de Conversas | Lisboa: por uma Cidade Viva e Acessível”. Esta sessão contou com intervenções da ZERO, Estrada Viva e Caracol POP, três das 11 entidades que subscrevem as nossas recomendações para a cidade.

Esta sessão, moderada pela Sandra Fernandes da MUBi teve por base o segundo eixo do documento Lisboa: cidade viva e acessível, que tem por tema Proteger o dia-a-dia. O sentimento de insegurança, provocado por máquinas potencialmente mortais com as quais nos confrontamos diariamente, é infelizmente muito presente para quem usa o espaço público de Lisboa. Os idosos e crianças são as principais vítimas de um espaço injusto e desenhado sem pensar na sua segurança e conforto. 

Gandhi dizia que o grau de civilidade de uma comunidade pode-se medir pelo cuidado com que protege os seus membros mais vulneráveis. Há muito a fazer em Lisboa para garantir o conforto e segurança de todos – o controlo do abuso do uso do automóvel dentro da cidade e a gestão eficaz da velocidade terão que ser as medidas prioritárias nos próximos anos. Por isso defendemos que a protecção dos bairros e a cidade 30 é um caminho a percorrer urgentemente. A insegurança e o medo são barreiras importantes para a adopção da bicicleta ou até mesmo para andar a pé. Mas não é só o perigo rodoviário que nos agride – a poluição aérea e sonora, bem como uma excessiva ocupação do espaço público pelos carros deverão ser também factores a resolver com convicção e transparência.

Miguel Correia Pinto – Caracol POP

O Miguel Correia Pinto, da Caracol POP, começou por descrever o processo seminal que congregou uma comunidade de vizinhos e deu origem à associação. A CML, através da EMEL, tinha intenção e projecto de construção de um parque de estacionamento num espaço natural, mas abandonado, denominado Caracol da Penha, nos limites das freguesias da Penha de França e de Arroios. Considerou que foi extremamente importante alargar o grupo mais activo com o envolvimento de moradores e comerciantes da vizinhança. Por isso organizaram sessões de esclarecimento, actividades culturais e artísticas e lançaram uma petição com a colaboração do comércio local. Foi importante apresentar alternativas para o estacionamento e fazer visitas ao local onde reivindicavam um jardim, numa zona onde os espaços verdes e de lazer são extremamente escassos.

Sandro Araújo – Estrada Viva

O Sandro Araújo, em representação da Estrada Viva – Liga de Associações pela Cidadania Rodoviária, Mobilidade Segura e Sustentável, começou por nos falar de uma petição pela segurança das pessoas que usam a bicicleta. Com a preciosa disseminação de associações fundadoras da Estrada Viva, como a Federação Portuguesa de Ciclismo e a MUBi, a petição acabou por alcançar 10 mil assinaturas e, por obrigação das regras do parlamento, foi discutida no hemiciclo da Assembleia da República. Nessa sessão houve uma unanimidade por parte dos deputados quanto à necessidade de melhorar a segurança dos modos activos em Portugal, dando origem a algumas propostas por parte dos partidos ao governo. Talvez a mais relevante tenha sido a extensão do seguro escolar às crianças que usam a bicicleta para ir e voltar da escola.

Francisco Ferreira – ZERO

O Francisco Ferreira, da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, descreveu-nos o trabalho que a associação tem feito em prol da importância da qualidade do ar nas nossas cidades. Alertou que, apesar disso, a associação denunciou um acordo entre Portugal e quatro outros países europeus para que o fim dos carros a combustão fosse adiado de 2035 para 2040. Chamou no entanto a atenção para o facto de, apesar de os carros eléctricos poderem ser um dos instrumentos para melhorar a qualidade do ar nas cidades, eles não são a solução – continuam a ocupar demasiado espaço, assim como a constituir um perigo para quem anda a pé ou de bicicleta.

O Sandro Araújo abordou também a questão do medo, que poderá ser real, mas que pode também ter origem na imaginação e percepção distorcida das pessoas. A Sandra notou que, apesar de tudo, o medo continua a ser uma das barreiras que ela, como mulher, sente como impedimento para pedalar em qualquer sítio e a qualquer hora. 

O Miguel referiu que a ciclovia da Almirante Reis foi uma das razões que o levaram a começar a pedalar diariamente para o emprego. Devido à quantidade de carros que ainda circulam na avenida, e à sua velocidade, por vezes excessiva, ele sente-se mais seguro a usar a ciclovia. A associação Caracol POP foi, aliás, a organização promotora de uma Carta Aberta pela manutenção da ciclovia actual na Almirante Reis, até que seja apresentado e concluído um projecto para toda a avenida com ampla participação pública. Esta Carta Aberta teve o apoio de mais de 40 associações e colectividades, entre as quais a MUBi, e deu origem a uma petição à Assembleia Municipal. 

O Sandro referiu que, nas escolas, a protecção ambiental e rodoviária das crianças deverá ser uma prioridade. No entanto, salientou  que da parte do Governo há políticas contraditórias. Enquanto a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável marca passo com orçamentos irrisórios, o Governo decide apoiar o consumo de combustível fósseis com orçamentos astronómicos.

Sendo o público convidado a intervir, levantou-se a questão de que, a 30 km/h, os veículos com motores de combustão poluem mais, e que os veículos eléctricos poluem mais que os veículos movidos a combustíveis fósseis. Tais pressupostos foram desmentidos pelo Francisco Ferreira, que nos disse que existem numerosos estudos que provam que os veículos eléctricos provocam bastante menos emissões que os veículos a combustíveis fósseis. Foi também acrescentado pela audiência que apesar de ser verdade que, em condições laboratoriais, a velocidades constantes, os automóveis a 30 km/h poluem mais do que a 50 km/h, a verdade é que na cidade os veículos não têm velocidade constante, e são as acelerações e desacelerações que provocam mais emissões – sendo que veículos a cumprirem um limite de velocidade de 30 km/h têm um padrão de velocidades mais constante. Da audiência também se chamou a atenção que as emissões geradas por um veículo eléctrico dependem muito da origem da energia no contexto em que o veículo se desloca – na China, a utilização de um veículo eléctrico origina mais gases de efeito de estufa do que em Portugal, onde a electricidade consumida tem uma componente significativa de energia hidroeléctrica.

Após debate com o público, a moderadora colocou uma última questão aos convidados:  se, durante um dia, lhes fosse dado o poder de tomar uma decisão transformadora, e apenas uma, qual seria essa medida?

O Francisco disse que, claramente, deveria haver uma drástica redução do uso do automóvel na cidade. Sabemos que durante a pandemia houve melhorias consideráveis na qualidade do ar. Os automóveis são, é bem sabido, extremamente prejudiciais para o funcionamento saudável da cidade. Não deixou de referir o facto de que muitas empresas “oferecerem” automóvel aos seus colaboradores, assim encorajando a utilização excessiva do mesmo.

O Miguel não apontou uma medida em concreto, preferindo salientar que não há uma solução única, mas sim um conjunto de soluções. No entanto, salientou que é essencial não facilitar a utilização do carro em algumas zonas da cidade. Mencionou também a importância de se criarem alternativas de mobilidade, ou melhorar as que já existem. 

O Sandro começou por abordar a importância de se utilizar uma linguagem adequada e apelativa para cativar o público-alvo de qualquer medida, mas a sua medida essencial seria a distribuição do orçamento da mobilidade proporcional à repartição modal que esse mesmo orçamento vise atingir. Ou seja, transferirmos uma boa parte do orçamento actualmente dedicado à mobilidade em automóvel, que pretendemos reduzir, para as alternativas cuja utilização pretendemos aumentar.

Este Ciclo de Conversas não fica por aqui — no dia 11 de Julho voltaremos a encontrar-nos na Ler Devagar, em Alcântara, para falar de como se pode “Desenhar para todos” numa sessão com a participação da APSI –  Associação para a Promoção da Segurança Infantil, Mulheres na Arquitectura e Quercus.

Pode assistir à gravação da 2ª sessão no nosso canal de YouTube:

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