Projecto de Ordenamento do eixo viário da “Avª da República/ Avª Fontes Pereira de Melo” (Eixo Central de Lisboa)

 

Posição da MUBi

 

Em 2013, a Câmara Municipal de Lisboa, reunida com três associações da sociedade civil (FPCUB, ACA-M e MUBi), representada por dois dos seus vereadores (um dos quais ainda em funções), acordou quatro princípios da maior importância para o futuro da mobilidade na cidade de Lisboa. A saber:

 

  • Ponderar seriamente a redução da quantidade e velocidade dos automóveis nas ruas e bairros de Lisboa, antes de decidir pela segregação da bicicleta;
  • As ciclovias devem ter um só sentido de circulação, para evitar conflitos perigosos nos cruzamentos;
  • As ciclovias não devem ser construídas sobre os passeios, para evitar conflitos com os peões;
  • As ciclovias devem ser contínuas e cruzar em segurança vias de tráfego automóvel intenso.

 

A CML  afirmou também a intenção de transformar as Avenidas Novas em Zona 30. E ficou também assente que, para acautelar erros futuros e corrigir ciclovias já construídas, e no sentido de manter um diálogo saudável, construtivo e permanente, seria constituído um grupo de acompanhamento formado por representantes da CML e de ONG promotoras da mobilidade sustentável na cidade e da defesa dos direitos dos peões e utilizadores de bicicleta – foi prometido nessa reunião o envio de uma proposta de protocolo para as associações presentes, para que se estabelecesse esse grupo de acompanhamento.

Depois de inúmeras cartas, a que a CML nunca respondeu, a pedir que se enviasse a prometida proposta de protocolo, e depois de continuarmos a assistir a violações constantes do acordo estabelecido em 2013, colocando em perigo os utilizadores de bicicleta em Lisboa, chegamos ao dia 19 de abril de 2016, em que o presidente da câmara, Fernando Medina, anuncia duas medidas bastante graves:

  1. Para evitar a supressão, ou mesmo aumentar o número de lugares, em vez da criação de duas ciclovias unidirecionais nessa extensão, as obras de requalificação do Eixo Central da cidade prevêem, agora, a construção de apenas uma via, mas com circulação nos dois sentidos, ao longo de toda a extensão do lado poente da mesma Avenida da República.
  2. Para apaziguar o ânimo de alguns moradores (apesar de saírem beneficiados com uma valorização da zona), capitulou  anunciando um aumento da oferta de estacionamento. É inaceitável que uma Câmara que afirma ter uma visão para a cidade com menos carros, tenha a capacidade de afirmar publicamente um aumento do estacionamento disponível numa área da cidade que é extremamente bem servida de transportes públicos e que deveria passar a ser bem servida por percursos confortáveis e seguros para peões e utilizadores de bicicleta. Anunciou também a generosa negociação com as empresas de parques de estacionamentos subterrâneos daquela zona da cidade um conjunto de 175 lugares, cujas avenças mensais para utilização durante 24 horas custarão 25 euros.

Sobre a decisão de última hora de sacrificar os utilizadores de bicicleta, ao arrepio flagrante do acordo que a CML fez com representantes da sociedade civil, para conseguir mais lugares de estacionamento, a MUBi considera inaceitável que se joguem com vidas humanas em troco de cedências políticas que, ainda por cima contradizem a estratégia de mobilidade sustentável que o autarca pretende defender para a cidade. Refutamos veementemente a afirmação do presidente Fernando Medina de que este recuo político “melhora o projecto” e tem vantagens para os utilizadores de bicicleta – A optarem por esta solução potencialmente perigosa, gostaríamos que a autarquia a assumisse honestamente como uma opção política, mesmo que contra todas as melhores práticas, e não instrumentalize os utilizadores de bicicleta da cidade. Sejamos claros: a CML, para satisfazer o desejo de alguns optou por uma solução que ela própria considerou perigosa no passado. O caso da ciclovia da Av. Duque d´Ávila, que tem provocado diversos acidentes no cruzamento com a própria Av. da República, já deveria ter dado à CML o exemplo prático em Lisboa deste perigo.  A escolha de uma tipologia bidirecional é geralmente mais perigosa em zonas urbanas com muitos cruzamentos – a sua escolha deve ser feita criteriosamente como excepção e depois de um processo participado e escrutinado o rigor técnico da escolha – não como uma cedência de última da hora.

Sobre a decisão vergonhosa de subsidiar o estacionamento de alguns, a MUBi não aceita que os cidadãos de Lisboa contribuam com os seus recursos para continuar a incentivar a utilização do transporte individual de alguns moradores da cidade. O subsídio à utilização do automóvel contradiz todas as políticas que a CML tem afirmado publicamente defender nos últimos anos, assim como viola em espírito e em letra os acordos internacionais que tem assinado. Acresce que o município de Lisboa continua com enormes dificuldades orçamentais, e a cidade continua com enormes problemas básicos por resolver por falta de orçamento (pobreza, habitação, espaço público degradado, etc.).

A MUBi reafirma a necessidade de reduzir as velocidades e a quantidade de carros na cidade de Lisboa e em particular no eixo da Avenida da República. O espaço dedicado ao automóvel neste eixo em comparação com os outros meios de transporte é obsceno, socialmente injusto e economicamente injustificável. Aumentar o número de lugares de estacionamento é contrário a todas as boas práticas europeias e contraria de forma gritante a política de mobilidade que a cidade de Lisboa devia prosseguir.

 

eixo central

As faixas de rodagem no eixo central (um pouco a norte do projecto) chegam a ter 13 vias de trânsito (na zona de intervenção), mais duas para estacionamento (total: 15).

 

Perante estas contradições, desleixo e desrespeito na relação com a sociedade civil, a MUBi lança as seguintes perguntas ao Presidente da Câmara, Fernando Medina:

  • Por que motivos a CML insiste em fazer ciclovias bidirecionais, em cima do passeio, em violação do que foi acordado com várias associações em 2013 e das recomendações consensuais de manuais técnicos de inúmeros países?
  • De que forma estará garantida a segurança dos ciclistas com ciclovias bidirecionais neste projeto, as quais são perigosas em múltiplas circunstâncias?
  • Estão garantidas as condições de acalmia de tráfego nas laterais que permitam a sua utilização em segurança pelos ciclistas?
  • Quais as medidas que o projecto tem para redução acentuado do tráfego no eixo central e em particular das suas laterais?
  • Durante quantos anos está o executivo da CML disposto a manter a privatização do espaço público, praticamente sem custos, para as 40% de famílias do município que possuem automóvel.?
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5 Responses to Projecto de Ordenamento do eixo viário da “Avª da República/ Avª Fontes Pereira de Melo” (Eixo Central de Lisboa)

  1. Fernando Pina da Silva diz:

    Este texto seria interessante senão fosse falacioso.
    Justificando:
    1-os transportes públicos são fantásticos só para quem nunca os utilizou. Dada a demora entre veículos é-nos realmente possibilitado ficar nas paragens a admirar a capacidade de condução dos condutores de bicicletas.Mas estes são e sempre serão raros dada a dificuldade muscular que é exigida numa cidade tão plana como Lisboa (quem criou a imagem de Lisboa-cidade das 7 colinas teria sido um poeta, ou é mesmo assim?)
    2-Certamente ninguém nessa Associação experimentou andar com alguns pesos de compras ou num dia invernoso a que Lisboa não é imune – lembrar estes últimos dias de Abril/Maio-clima temperado ?)
    3-Ao contrário do que se passa em alguns países europeus, apresentados como exemplos a seguir, é raríssimo ver um ciclista devidamente protegido com capacete e colete reflector como é obrigatório nos tais países exemplares.
    4-A segurança dos utilizadores de bicicleta não pode ser garantida com base na insegurança acrescida para os peões,ou estou errado!
    A velocidade a que eu tenho assistido na deslocação de bicicletas e o tipo de manobras, muitas vezes com circulação em sentido oposto ao resto do tráfego, mostra uma grande desconsideração pelos que se deslocam a pé.
    As bicicletas foram inventadas no fim do séc. XIX. A utilização de veículos automóveis foi vista depois como um considerável avanço técnico.Claro que mais tarde as bicicletas se tornaram num importante meio de lazer, mas não são certamente um veículo prático, altamente limitado na sua utilização pela idade e/ou estado físico do condutor.
    6-Há muitos veículos que circulam nas cidades por razões de distribuição demercadorias.Convém não esquecer este pormenor. Vamos utilizar bicicletas para esse efeito?
    8-As bicicletas pagam imposto de circulação ou são sujeitas a inspecção anual?Desconheço.
    7-Finalmente, a destruição objectiva do argumento da distribuição dos encargos.Se eu não utilizar nunca o transporte em bicicleta porque razão devo pagar a restruturação do chamado passeio público, em detrimento do investimento numa boa sinalização rodoviária, que interessa a todos, ou na pavimentação dos passeios,para não falar na ajuda à facilidade de transpor obstáculos pelos deficientes,tão esquecida de todos.

    Penso ter contribuído em tempo útil para uma visão mais abrangente do problema da mobilidade nesta cidade, não vá ser implementada a destruição da mesma por sucessivas terraplanagens para, como em algumas cidades da Bélgica ou da Holanda usufruirmos (alguns,60%,duvido) de uma deslocação mais física e desconfortável do que a que temos actualmente.

    • Tiago Santos diz:

      Caro Fernando,

      Respondendo-lhe aos seus pontos com base na minha experiência pessoal:

      1.Os transportes não são fantásticos, mas só quem não os utiliza é que não sabe como muitos melhoraram significativamente nas últimas décadas. Eu que moro no Seixal e demoro o mesmo tempo a chegar ao trabalho que alguns colegas meus e ainda posso ir a ler.

      2.Algumas vezes transporto comida, o portátil e roupa na bicicleta. Há quem transportes os filhos. Portugal é o país da Europa com mais horas de sol. É preciso é investir numa bicicleta com pára-lamas e usar impermeáveis.

      3.São raros os países do mundo onde é obrigatório usar capacete e em nenhum país onde se ande muito de bicicleta tal acontece. O que precisamos é de punir severamente quem anda ao volante em excesso de velocidade, ao telemóvel, com excesso de álcool, etc. Esses problemas os capacetes e coletes não protegem.

      4.Estamos de acordo: https://mubi.pt/2015/02/06/respeito-7-regras-para-com-os-peoes/
      Há muito trabalho a fazer nesta matéria. Especialmente quando se constrói ciclovias em cima dos passeios.

      6. Sim, vamos: http://pedais.pt/mercadorias-dois-tercos-da-logistica-nas-cidades-pode-ser-assegurada-por-bicicletas/

      7.Nenhum dos meus avós têm carta e pagaram impostos que foram gastos em (demasiadas) estradas (caras). Isto em detrimento da ferrovia que todas as classes sociais poderiam usar: http://anossaterrinha.blogspot.pt/2013/07/ferrovia-e-autoestradas-mapas.html

      É sempre bom ouvir outras visões dos problemas, especialmente quando se apresenta argumentos. Eu sou sócio da MUBi e não sou contra os automobilistas. Eu sou automobilista, mas ter usado transportes públicos e a bicicleta durante vários anos deu-me uma visão diferente. É preciso não olharmos para o nosso umbigo e vermos o que já é bem feito lá fora. Queremos cidades cheia de carros com custos sociais, ambientais, económicos e financeiros a médio e longo prazo? Ou queremos cidades onde o peão é posto em primeiro lugar, onde as crianças podem andar na rua e onde haja comércio de bairro? Queremos um país e uma economia refém do petróleo ou uma economia moderna e com exportações por ferrovia? Queremos dificultar a vida a quem anda de bicicleta com regras que não fazem sentido ou fazer com que algumas pessoas troquem o carro pela bicicleta?

    • Ana Barroso diz:

      Permita-me discordar, mas este seu comentário é que é falacioso. Não tendo a certeza se fala a sério ou a brincar, assumo a primeira possibilidade.

      1. Os transportes públicos (TP) são de facto fantásticos: Já pensou em quantos utentes por metro quadrado eles servem, em contraste com o automóvel? E já reparou que só não são mais eficientes em termos de rapidez devido ao trânsito provocado pelo transporte individual?

      Quanto à capacidade muscular, acredite que ela não surgiu de um dia para o outro, treina-se. Aproveito para acrescentar que muitos dos percursos na cidade são 100% planos ou quase; para superar subidas pode-se complementar com TP ou, pasme-se, empurrar a “burra” a pé por uns minutos.

      2. Conheço várias pessoas “nessa Associação” que andam de bicicleta faça chuva ou faça sol, e os pesos das compras vão nos alforges da bicicleta. O mesmo se aplica aos peões, que também podem usar sacos com rodízios para tais pesos.

      Recordo-me, já lá vão uns 25 anos e era eu pequenina, a minha mãezinha ia buscar-me ao infantário a pé, por vezes com sacos de compras, mesmo nos dias de chuva intensa, e caminhávamos assim 20 minutos até casa. O nosso pior inimigo não era a chuva torrencial, eram os taxistas de Lisboa que nos davam banho com a água imunda das bermas da Alameda das Linhas de Torres.

      3. Capacete e colete reflectores não são obrigatórios para ciclistas em quase parte alguma do mundo, muito menos na Europa. Onde foi buscar tais histórias da carochinha?

      4. Claro que a segurança dos peões não pode ser posta em causa. É por isso que a MUBI e as outras associações exigem um planeamento adequado, que garanta um espaço seguro para bicicletas separado do espaço pedonal – as estradas servem (serviriam?) para isso mesmo, mas o comportamento de alguns automobilistas assusta mesmo os mais experientes utilizadores de bicicleta em meio urbano, o que leva a algumas pessoas a pedalar pelo passeio. Mas andar de bicicleta nos passeios é ilegal. Se alguém o faz deve ser multado, pode ter a certeza que ninguém aqui defende tais práticas. Já agora, em que estrada é que os ciclistas seriam mais perigosos para os peões do que os automobilistas? Nenhuma, garanto-lhe.

      5. O automóvel surgiu na mesma época. Era um veículo de lazer. Tornou-se útil para muitas aplicações, também podendo ainda hoje ser usado em lazer. O mesmo se passa com a bicicleta.

      Quanto a idade e doença: não vejo qualquer correlação entre tais “problemas” e a capacidade de pedalar, a menos que não se tenha pernas e/ou braços. Já agora, cabeça. Salvo raras excepções, quem já não consegue pedalar também não deve estar em grandes condições para conduzir um automóvel, mas pode sempre enfiar o andarilho ou a bengala no autocarro/metro/comoboio/cacilheiro.

      Vivo numa média cidade no centro da Europa, aqui vejo velhinhas de 70 e tal anos a ir às compras de bicicleta, o bóbi sentado na cestinha da frente e os alforges a abarrotar de legumes. A minha avó, quando me veio visitar, ficou tão espantada que exclamou “Olh’àquela, ó ó ó. Mai’ velha que eu e vai ali toda fresca!”. Pois é.

      6. Pode utilizar bicicletas para esse efeito. Há variadas formas de transportar mercadorias em bicicleta, seja com caixas frontais, alforges ou atrelados. É claro que nunca transportarão tanto volume como uma carrinha. Mas trânsito de mercadorias pode ser regulamentado de forma diferente que o transporte individual. A zona pedonal da minha cidade limita o acesso ao trânsito da seguinte forma: mercadorias entre as 8 e as 13h, transporte privado apenas para acesso a garagens e para cargas e descargas. Até as bicicletas têm limitações. O peão é sagrado.

      7. Se eu nunca estou desempregada, porque é que estou a alimentar desempregados e sem-abrigo com os impostos? Se eu nunca usar o automóvel, porque é que tenho de financiar auto-estradas com os meus impostos? Se eu não tenho filhos, porque é que estou a financiar escolas com os meus impostos? Se eu nunca estou doente, porque é que estou a financ………

      8. Porque haveriam de pagar imposto de circulação? E o que quer inspecionar anualmente na bicicleta? Se faz o ciclista emitir mais metano do que o legalmente permitido? Ou se está a pingar óleo da corrente?

      Penso ter respondido a todas as suas questões, ou pelo menos estimulado uma nova forma de ver o problema da mobilidade urbana.

      Todos nós crescemos num meio predominantemente automobilístico, conhecemos a sua visão da realidade pois foi também a nossa por vários anos. Mas questionámo-la e atrevemo-nos a experimentar a solução bicicleta. Estamos convencidos de que foi uma mudança para melhor, e cremos que mais apoio para os meios suaves beneficia toda a cidade e a sua população.

      • RF diz:

        Se o comentário do Fernando me fez quase chorar, por motivos óbvios, com o da Ana, chorei a rir, tão boa é a resposta!
        Infelizmente, acho que muitas pessoas como o Fernando jamais conseguirão mudar de opinião. A sua opinião sobre o automóvel e a mobilidade é mais uma questão de fé, do que propriamente um assunto sobre o qual tenham reflectido.
        Felizmente, essas pessoas vão desaparecendo e resta-nos a esperança das gerações que os substituem já olharem com outros olhos para este assunto.

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