A MUBi defende um investimento muito mais significativo na mobilidade em bicicleta por parte do Estado – garantindo pelo menos 5% do orçamento total do sector de transportes em 2021 e aumentando progressivamente para 10% até 2025. Este aumento deverá permitir a aceleração da execução da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030 e da prossecução dos seus objectivos em resposta urgente à crise da pandemia de Covid-19.

A bicicleta, com um crescente protagonismo na mobilidade urbana, teve um aumento substancial de procura pela sua utilização no decorrer da presente pandemia. Em consequência também as vendas aumentaram. A Organização Mundial da Saúde recomenda o uso da bicicleta ou o caminhar, sempre que possível, como forma de reduzir o risco de contágio do coronavírus e combater o sedentarismo, agravado pelo maior recurso ao tele-trabalho. 

A bicicleta é o modo de transporte energeticamente mais eficiente e, a seguir ao andar a pé, o que menos emissões produz. Contribui para a eficiência do uso do espaço urbano, melhor qualidade do ar, para o comércio de proximidade e a economia local e para a resiliência dos sistemas de transporte. É, ainda, um modo de transporte económico e inclusivo, oferecendo condições de acessibilidade efectiva semelhantes a todos os indivíduos.

Com a degradação das condições económicas decorrente da crise de Covid-19, é expectável que a utilização da bicicleta, como aconteceu na crise de 2008, venha a aumentar de importância e assuma um papel indispensável na mobilidade dos cidadãos.

Tudo isto foi reconhecido por partidos e deputados representando 93% dos assentos na Assembleia da República, que apresentaram propostas de recomendação ao Governo de apoio e estímulo aos modos activos de deslocação (bicicleta e caminhar) no pós-confinamento. As recomendações ao Governo colocam especial ênfase na ampliação, priorização e aceleração da execução da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030 e prossecução dos seus objectivos [1].

A Resolução do Conselho de Ministros que aprovou a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável, determinou que as suas 51 medidas estivessem definidas, calendarizadas e orçamentadas até ao final de 2019 [2]. Passado quase um ano, isto ainda não aconteceu. A implementação da Estratégia Nacional poderia já estar a contribuir para aliviar a pressão existente sobre os transportes públicos, mitigar os efeitos negativos do uso massivo do carro nas cidades, em particular no que respeita a congestionamentos e poluição resultantes, e preparar melhor as cidades portuguesas para enfrentar uma eventual segunda vaga da pandemia.

Em acréscimo a todos os restantes reconhecidos benefícios, a bicicleta é o único modo de transporte que responde ao triplo desafio de recuperação económica e criação de emprego, crise climática, e pandemia de Covid-19 e distanciamento físico. Constitui, por isso, um elemento essencial para a recuperação sustentável do país.

Já antes da pandemia, o Primeiro Ministro veio defender que nesta década as cidades têm de levar a cabo uma mudança profunda no paradigma da mobilidade, encontrando alternativas ao transporte motorizado individual [3]. Mais recentemente, o Ministro do Ambiente afirmou que a mobilidade é a grande aposta ambiental do Governo até 2030, com a mobilidade colectiva e a utilização da bicicleta como primeiras grandes prioridades [4].

Em consequência da dependência do automóvel individual, o sector da mobilidade e transportes é o elefante na sala no que respeita à emissão de poluentes. Com as metas da União Europeia e os compromissos de Portugal de substancialmente reduzir as emissões até 2030 e alcançar a neutralidade carbónica até 2050, e a condição de Bruxelas para acesso aos fundos do mecanismo de recuperação europeu de que pelo menos 37% das verbas sejam alocadas a medidas de acção climática, espera-se um forte incremento do investimento do Estado Português na mobilidade em bicicleta e na sua complementaridade com os transportes públicos. 

A MUBi defende que pelo menos 5% do orçamento total do Estado para o sector dos transportes seja em 2021 direcionado para medidas de apoio e estímulo à mobilidade em bicicleta, e que essa proporção aumente progressivamente para 10% até 2025. O investimento deverá ser canalizado para a concretização da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável. Estes valores estão alinhados com os objectivos estabelecidos pelo Governo de convergência com a quota modal média da bicicleta na Europa, com pelo menos 10% das deslocações nas cidades portuguesas a serem realizadas em bicicleta até 2030.

A serem enquadrados na dotação orçamental para a execução da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030, a MUBi propõe que o Orçamento do Estado para 2021 contemple, em especial, dotação para:

  • Medidas de acalmia do tráfego motorizado nas localidades, criação de redes de percursos seguros para a utilização da bicicleta e massificação de parqueamentos para bicicletas nos centros urbanos.
    Grandes programas como o Portugal Ciclável 2030 e redes cicláveis urbanas municipais e intermunicipais deverão ser inscritos no Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal para acesso aos fundos europeus.
    A criação de infraestrutura e condições seguras para o uso da bicicleta proporciona elevados retornos positivos sociais e económicos.
  • Programa nacional de incentivo às deslocações casa-trabalho em bicicleta, à semelhança do que já existe em vários países europeus. Estes programas têm comprovados excelentes retornos para a sociedade, nomeadamente em termos de saúde pública e redução do absentismo laboral.
  • Eliminação das barreiras ao acesso e transporte de bicicletas nos transportes públicos, designadamente: 
    • instalação de parqueamento seguros, de curta e de longa duração, para bicicletas nos interfaces de transportes públicos 
    • e adaptação dos veículos e composições de transporte público ferroviário, rodoviário e fluvial para o transporte de bicicletas.
  • Significativo reforço, em unidades e atratibilidade, do incentivo do Estado à aquisição de bicicletas convencionais, de carga e com assistência eléctrica.
  • Programa de apoio à reparação de bicicletas. Em resposta à pandemia, a França e o Reino Unido comparticipam a reparação de bicicletas em 50 Euros e 50 Libras, contribuindo, ainda, para a economia circular, negócios locais e a criação e manutenção de emprego.
  • Programa de apoio à logística urbana em bicicleta. Medidas de apoio à micrologística em bicicleta constam do Programa do Governo, do Programa Nacional de Investimentos 2030 e do Plano Nacional Energia e Clima 2030.
  • Apoio à criação e expansão de sistemas públicos de bicicletas partilhadas nas cidades portuguesas.

Notas:

A utilização da bicicleta gera por ano mais de 150 mil milhões de Euros de benefícios sócio-económicos na União Europeia. Mais de 90 mil milhões de Euros representam externalidades positivas no ambiente, na saúde pública e nos sistemas de mobilidade. Destes, cerca de 73 mil milhões de Euros correspondem a benefícios de saúde (redução de mortalidade e de morbilidade), resultando em consideráveis reduções de custos para os Sistemas Nacionais de Saúde.
Em comparação, um estudo recente da Comissão Europeia avaliou as externalidades negativas do transporte rodoviário motorizado em 820 mil milhões de Euros anuais na União Europeia e 16.8 mil milhões de Euros em Portugal (7.2% do PIB nacional, o segundo valor mais alto entre todos os Estados Membros da UE).
https://ecf.com/sites/ecf.com/files/TheBenefitsOfCycling2018.pdf
https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/9781f65f-8448-11ea-bf12-01aa75ed71a1

A indústria portuguesa da bicicleta emprega directamente perto de 9 mil pessoas e indirectamente cerca de 30 mil. Com um volume de exportações superior a 400 milhões de Euros, produziu 2,7 milhões de bicicletas em 2019, que tornaram Portugal o maior produtor europeu.
https://www.abimota.org/images/formacao/CartaPrimeiroMinistroVF_signed.pdf
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/14-ago-2020/portugal-destrona-italia-na-producao-de-bicicletas-12521378.html

A bicicleta tem um enorme potencial na micrologística urbana, podendo, de acordo com vários estudos, substituir mais de 50% das viagens para transporte de bens nas cidades europeias actualmente feitas com recurso a veículos motorizados. A logística urbana é responsável por 15% do total das viagens na cidade, mas contabiliza 30% de toda a energia consumida pelos transportes urbanos. Segundo um estudo recente do Fórum Económico Mundial, a procura por serviços de entrega em ambiente citadino deve crescer cerca de 78% até 2030, resultando num aumento de 36% de veículos de entrega em circulação. Sem qualquer intervenção, isto pode representar um aumento de 30% das emissões da logística urbana e um incremento de 11 minutos na duração média dos movimentos pendulares nas cidades.
Uma única bicicleta de carga pode reduzir até 5 toneladas de emissões de CO2 por ano, fazendo da bicicleta uma das mais importantes ferramentas para o objectivo de quase-zero emissões da logística urbana em 2030 e, simultaneamente, para o descongestionamento das cidades.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2352146516000478
http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_the_last_mile_ecosystem.pdf

Cada ano morrem prematuramente 15 mil pessoas em Portugal devido à exposição a partículas finas, resultantes principalmente do tráfego automóvel nas zonas urbanas.
https://www.publico.pt/2019/03/19/ciencia/noticia/poluicao-ar-portugal-mata-dobro-pensava-1865800

O programa “Bonus Bici”, integrado no programa italiano de relançamento da economia, reembolsa a aquisição de bicicletas em 60% do seu valor até um máximo de 500 Euros, num total de 190 milhões de Euros.
https://www.bikeitalia.it/2020/06/04/bonus-bici-il-governo-mette-sul-piatto-altri-70-milioni-di-euro/

O Governo Britânico, em resposta à crise de Covid-19, avançou com um programa nacional de apoio à mobilidade activa com uma dotação orçamental de 2.2 mil milhões de Euros (2 milhões de Libras).
https://www.gov.uk/government/news/pm-kickstarts-2bn-cycling-and-walking-revolution

O Programa de Governo na República da Irlanda prevê a alocação de 20% do orçamento para transportes para a mobilidade activa.
https://www.forbes.com/sites/carltonreid/2020/06/15/former-bike-shop-owner-soon-to-be-irelands-prime-minister-secures-1-million-a-day-for-5-years-boost-for-walking-and-cycling/#7e0d88e75c01

[1] Resolução da Assembleia da República n.º 61/2020.
https://dre.pt/pesquisa/-/search/139472784/details/maximized
[2] Resolução do Conselho de Ministros n.º 131/2019 – Aprova a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030.
https://dre.pt/home/-/dre/123666113/details/maximized
[3] António Costa, Braga, 10 de Setembro de 2019.
https://mubi.pt/en/2019/10/09/antonio-costa-mudanca-radical-no-paradigma-da-mobilidade/
[4] Ministro do Ambiente diz que a mobilidade é “grande aposta” ambiental do Governo até 2030, Público, 11 de Setembro de 2020.
https://www.publico.pt/2020/09/11/politica/noticia/ministro-ambiente-mobilidade-aposta-ambiental-governo-ate-2030-1931285

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