A MUBi participou no encontro que a Junta de Freguesia de Arroios promoveu, no final de Fevereiro, com as “forças vivas” da freguesia, associações, colectivos e ativistas locais. Estas são as principais posições e recomendações da MUBi no âmbito do processo participativo sobre a Av. Almirante Reis.

A MUBi participou no encontro que a Junta de Freguesia de Arroios promoveu, no final de Fevereiro, com as “forças vivas” da freguesia, associações, colectivos e ativistas locais. A sessão, conduzida por João Castro, assessor para a mobilidade do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, pretendeu dar início a “um processo de participação pública com vista a reflectir sobre os desafios da Av. Almirante Reis” que, segundo afirmado, incluirá acessibilidade, pedonalidade, qualidade e direito ao espaço público.
Para além da MUBi, estiveram presentes outras associações que, tal como nós, manifestaram o seu total interesse na procura de soluções adequadas, abrindo o espaço para o diálogo informado e sustentado.
Consideramos positivo que a Junta de Freguesia de Arroios tenha levado a cabo esta iniciativa, promovendo o debate e a partilha de visões e experiências diversas, e esperamos que esta participação pública seja bem conduzida e que busque por soluções que beneficiem sobretudo as pessoas e a qualidade de vida na cidade de Lisboa.
Após este encontro, a MUBi fez chegar formalmente à Junta de Freguesia de Arroios e à CML um resumo das suas principais posições no que diz respeito à Av. Almirante Reis, estando disponível, como já se mostrou antes, para colaborar no processo de requalificação desta avenida em trabalho de gabinete e com especialistas de urbanismo, mobilidade e equidade no acesso ao espaço público.

Posições da MUBi relativamente à Av. Almirante Reis

A MUBi defende a redução das deslocações feitas em automóveis particulares nas cidades e a redução das velocidades, potenciando ambientes mais seguros para todos. Defende também a criação de intersecções mais seguras e a redistribuição do espaço público, que deve ser de todos: peões (tendo em especial atenção as pessoas com mobilidade reduzida, crianças e idosos), utilizadores de bicicletas, transportes públicos, cargas e descargas e, finalmente, automobilistas.

Neste momento, apesar de mais equilibrada do que antes da implantação da ciclovia, a Av. Almirante Reis continua a estar profundamente desigual na distribuição do espaço, continuando os automobilistas a usufruir da maior proporção do perfil da Avenida — apesar de o automóvel só assegurar uma parte das deslocações naquele eixo, ser um modo de transporte apenas acessível a uma parte da população e as suas externalidades serem amplas e reconhecidas. Este desequilíbrio na distribuição do espaço contraria a hierarquia expressa na imagem acima e as melhores práticas europeias para o desenho de um espaço público saudável, confortável para todos e justo.

A MUBi assinou, em Outubro de 2021, uma Carta Aberta sobre a Almirante Reis (Almirante Reis: Uma Linha Verde), subscrita por mais de 40 colectivos e associações, e na qual pede um processo participativo, bem estruturado, antes de ter lugar qualquer alteração à ciclovia actual. Desse processo deverá resultar um perfil adequado ao uso da bicicleta e outras formas de mobilidade, que garanta a liberdade e integridade física de todos os utilizadores, incluindo os mais vulneráveis. E que considere os muitos distribuidores em bicicleta que precisam de ter condições de segurança para realizarem o seu trabalho. Mas também uma solução que assegure um ambiente urbano seguro e favorável a todas as pessoas que ali habitam, caminham, usufruem e dependem do comércio local. 

A Av. Almirante Reis, pela sua linearidade e declive constante, cumpre uma ligação segura para bicicletas essencial numa extensa área da cidade onde não existe nem pode ser criada qualquer alternativa segura comparável. Por esse motivo era já usada por muitos utilizadores de bicicleta, antes de haver ciclovia, apesar do risco e da violência rodoviária sentida por todos. E continuará a sê-lo, mais ainda após ter sido potenciado aquele percurso, caso a ciclovia seja deslocada para outros arruamentos. Ver-se-á, contudo, castrada a capacidade de a bicicleta continuar a conquistar novos utilizadores já que, como sabemos, a insegurança real e percepcionada é uma das maiores barreiras à adopção da bicicleta como modo de transporte.

Por outro lado, a redução do perfil rodoviário na Av. Almirante Reis não é apenas consequência da implantação de um percurso essencial à rede de ciclovias no seu conjunto. É, também, uma medida coerente com a redução do tráfego que se exige no centro histórico de Lisboa. 

De facto, previa-se que, por esta altura, a ciclovia da Av. Almirante Reis estivesse incluída na implementação da ZER, Zona de Emissões Reduzidas — em linha com o que tem vindo a ser feito noutras cidades europeias. Se assim tivesse acontecido, a ZER contribuiria para o bom funcionamento de uma Av. Almirante Reis com menor capacidade rodoviária; e essa menor capacidade rodoviária iria desincentivar o atravessamento da ZER. Em suma, um eventual acréscimo na poluição e no congestionamento da Av. Almirante Reis pode e deve ser resolvido retirando-se a Baixa como destino em transporte individual motorizado, e não recuperando a capacidade rodoviária naquele eixo. Medidas como a redução do valor do estacionamento para todos os residentes de Lisboa poderem estacionar na Avenida e na zona histórica serão, igualmente, contraproducentes e contrárias àquilo que está a ocorrer em outras cidades europeias.

Lisboa é hoje uma das cidades europeias com mais emissões de gases de efeito de estufa por habitante, superando Madrid, Paris ou Londres, com mais de 370 mil automóveis a entrar diariamente na cidade. É por isso que, no entender da MUBi, os planos para implementar uma ZER na Baixa-Chiado deverão ser recuperados e levados a cabo (não obstante os sinais contrários do executivo municipal), tal como sustentado na recomendação aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa em Novembro de 2021.

Como palavra de cautela e ainda sem poder prever as propostas que virão a ser apresentadas para participação de todos, acrescentamos, desde já, três observações: 

  • A Av. Almirante Reis nasceu na sequência de um processo participativo, tendo a implementação de uma ciclovia naquele eixo sido proposta pelos cidadãos no Orçamento Participativo de 2014 e sido vencedora desse processo também por votação cidadã. Desde então que a CML está obrigada a cumpri-la, tendo a sua implementação só pecado por tardia.
  • A proposta de passar a ciclovia actual para ruas adjacentes à Av. Almirante Reis não serve. Algumas das alternativas possíveis são pouco iluminadas, menos frequentadas, aos ziguezagues, mais declivosas e pouco seguras para utilizadores de bicicleta, nomeadamente mulheres. Os utilizadores de bicicleta, de forma geral, optam pelos percursos que impliquem menos esforço, e as mulheres que utilizam a bicicleta não devem ser sujeitas à possibilidade de sofrerem violência e assédio sexual ao utilizarem infraestruturas em zonas inseguras. É preciso que as ciclovias sejam directas e em ruas bem iluminadas.
  • A possibilidade de vias 30 de coexistência automóveis/bicicletas apenas é adequada para vias com baixo tráfego e velocidades motorizadas efectivas abaixo de 30 km/h (tal como é aliás sublinhado pela própria CML no Manual de Espaço Público e PDM). Ora, tais circunstâncias estão longe de ocorrer na Av. Almirante Reis.

Neste momento, 63% do perfil da Av. Almirante Reis encontra-se dedicado ao automóvel, entre rodovias e estacionamento. Qualquer aumento da capacidade rodoviária implica um acentuar da desigualdade, já gritante, nas condições dadas a pessoas, ciclistas e automobilistas, em benefício de um modo de transporte que congrega múltiplas externalidades.

Será importante lembrar que a Baixa, para onde a Av. Almirante Reis converge, é a zona do país mais bem servida por transportes públicos. Será também importante perceber qual a percentagem da população que utiliza cada meio de transporte, e verificar a quantos a aposta no automóvel beneficia e a quantos prejudica. Finalmente, importa considerar os conceitos que o actual executivo se propôs alcançar e nos quais nos revemos: a “cidade dos 15 minutos”, a “cidade para pessoas”, uma “Baixa viva e renovada” e uma cidade que se posiciona na linha da frente do combate às alterações climáticas. E compreender que as medidas têm de ser consentâneas com as ambições. 

Para além desta posição, enviámos também o nosso manifesto — Cidades Vivas — ao executivo da Junta de Freguesia de Arroios e ao assessor para a mobilidade do presidente da CML, João Castro. O manifesto inclui um conjunto de 10 medidas para devolver as cidades às pessoas. Chamamos a atenção para a primeira delas, que é a elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana Sustentável — tal como também é definido na Lei de Bases do Clima que acabou de entrar em vigor.

 

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