MUBi propõe recomendações para tornar Lisboa uma Cidade Viva e Acessível. O documento tem o apoio de 11 associações e sugere medidas no âmbito da mobilidade, com o intuito de planear o futuro da cidade, proteger o dia-a-dia das pessoas, desenhar a cidade de forma equitativa e activar a mobilidade sustentável. 

Atravessamos hoje um momento histórico — perante a emergência climática, a poluição atmosférica que afecta gravemente as populações a ela expostas, e a urgência de reduzir a dependência de combustíveis fósseis — em que são necessárias mudanças drásticas na forma como usamos a cidade de Lisboa e nela nos deslocamos.

Considerando estes desafios, a MUBi, identificou um conjunto de medidas prioritárias a implementar na cidade de Lisboa. Estas recomendações são subscritas por 11 entidades promotoras do ambiente, mobilidade e cidades mais seguras e acessíveis para todos: ACA-M – Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, ANP|WWF – Associação Natureza Portugal, APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil, Bicicultura, Caracol POP, Cicloda – Associação Oficina da Ciclomobilidade, Estrada Viva, GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, Mulheres na Arquitectura, QUERCUS e ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

O documento “Lisboa: Por Uma Cidade Viva e Acessível” define quatro eixos fundamentais para passar das palavras à acção e construir uma cidade cada vez mais acessível para quem nela se movimenta, trabalha e queira dela usufruir:

1) Planear o futuro

2) Proteger o dia-a-dia

3) Desenhar para todos

4) Activar a mobilidade 

Estes eixos traduzem-se em 34 medidas a implementar para que possamos, progressivamente, ter uma cidade mais humana, segura, descarbonizada, sustentável e mais preparada para fazer face aos desafios presentes e futuros. Assumindo esta urgência de passar à acção, a MUBi pretende também assim influenciar e colaborar no planeamento e as políticas de urbanismo e mobilidade na cidade de Lisboa, sugerindo um modelo de cidade que, com as devidas adaptações, poderá ser útil para outras cidades do país.

O documento “Lisboa: Por Uma Cidade Viva e Acessível”, que foi enviado para a Câmara Municipal de Lisboa, pode ser consultado aqui.


Lisboa: por uma Cidade Viva e Acessível

Recomendações que identificam as medidas prioritárias a implementar na cidade de Lisboa, de forma a que possamos, progressivamente, ter uma cidade mais humana, segura, descarbonizada, sustentável e mais preparada para fazer face aos desafios presentes e futuros. 

Das palavras à acção

Entende-se por acessibilidade o fácil acesso de todas as pessoas — independentemente da sua idade, género, condição física ou social — a outras pessoas, bens e serviços. 

A acessibilidade é uma condição fundamental para uma cidade justa, saudável, sustentável, estimulante e com sentido de comunidade, que coloca as pessoas e o seu bem-estar no centro da decisão

A acessibilidade assenta num sistema de transportes integrado, que garante uma melhor e mais justa economia pública e privada e uma utilização mais eficiente dos diferentes recursos, promove um ambiente urbano saudável e considera os limites do ecossistema terrestre que habitamos.

A bicicleta é uma ferramenta essencial para a construção da cidade que acima se descreve. Ciente disso, a Organização Mundial da Saúde incluiu a priorização da bicicleta, a par com o modo pedonal e os transportes públicos, numa das suas 10 recomendações à COP26.

A Sociedade Civil espera que os eleitos liderem pelo exemplo e pelas acções, privilegiando sempre que possível as deslocações quotidianas a pé, de transportes públicos e de bicicleta.

É vital educar nas escolas para os fundamentos da mobilidade sustentável tal como se fez em relação à reciclagem. Mas também comunicar a toda a população os desafios e objectivos consensualizados, tendo por base uma estratégia de comunicação sólida e ambiciosa, que motive cada cidadão a ser parte da solução.

Apela-se ainda que o inaugurar de cada projecto seja a oportunidade para ouvir e co-construir a solução de forma incremental e participada ao longo do processo. Para tal é necessário começar, desde logo, por explicar o seu contexto, sequência e necessidade de forma a esclarecer as pessoas sobre o enquadramento do projecto e a estratégia no seu conjunto.

Baseado no manifesto Cidades Vivas da MUBi, criamos este documento que pretende resumir as medidas prioritárias e urgentes que defendemos para a cidade de Lisboa. Perante a urgência climática, a crise de saúde pública, com graves riscos de morbidade para populações expostas à poluição atmosférica, e a urgência de reduzir a nossa dependência de combustíveis fósseis, atravessamos um momento histórico, em que serão necessárias alterações substanciais na forma como usamos e nos deslocamos na cidade de Lisboa.

Destacamos que Cidades Vivas e Acessíveis a todas as pessoas implicam espaços públicos seguros e uma justa distribuição do espaço urbano. Para que tal aconteça é essencial

  1. a redução do tráfego automóvel;
  2. a redução da sua velocidade;
  3. segurança nas intersecções; 
  4. redistribuição do espaço dedicado a cada modo de transporte de forma a que este seja mais seguro para todos.

Assim, recomenda-se:

1 | Planear o futuro

  • Reabrir a Visão Estratégica para a Mobilidade, aprovada em Assembleia Municipal (MOVE Lisboa), a uma “Mesa de Mobilidade” — espaço de concertação, debate e consenso que permita chegar a acordos colectivos para a visão e objectivos de mobilidade da cidade. Esta “Mesa” ampla e plural (deverão estar representadas organizações da sociedade civil, operadores de transporte e administração pública), deverá consensualizar e desenvolver um “Pacto de Mobilidade” sobre a Lisboa que se imagina e deseja. Esta visão deverá ser finalmente comunicada e partilhada com todas as pessoas. 
  • Desenvolver um Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) seguindo os princípios de priorização dos modos activos e colectivos de deslocação para a redução da dependência do automóvel. Lisboa é a única capital europeia sem um PMUS. A existência de um PMUS participado e aprovado é necessidade absoluta para que Lisboa aplique de forma racional e com metas transparentes, os fundos europeus, incluindo no âmbito da Missão da UE — 100 cidades com impacto neutro no clima até 2030.
  • Criar uma Comissão Municipal de Mobilidade e Transportes que seja uma plataforma de participação com a presença de organizações da sociedade civil e órgãos autárquicos. Deverá ser formal, regular (trimestral) e transparente. Esta Comissão deverá ser local de troca de informação, participação e auscultação.
  • Criar um Grupo de Acompanhamento de Projectos, de forma a assegurar a segurança dos modos activos. Para o efeito deverá ser elaborado um protocolo sucinto que estabeleça o intuito, a composição e a periodicidade com que este grupo reunirá. Deverá ser um grupo de debate e discussão desde o início do processo na fase de criação e que fará todo o acompanhamento até à fase de implementação. Este grupo deverá debater aspectos estruturantes como a definição da rede ciclável da cidade, mas também aspectos concretos de implementação, como sejam a criação de uma ciclovia, a expansão da rede de parqueamentos para velocípedes ou da rede Gira.

2 | Proteger o dia-a-dia

  • Desenvolver e implementar o Plano Municipal de Segurança Rodoviária (PMSR), conforme assumido na Visão Zero e aprovado por unanimidade em Reunião Extraordinária de Câmara a 21 de Dezembro de 2018. Tal implica reactivar o Conselho Consultivo do qual a MUBi faz parte e onde sempre demonstrou vontade de colaborar com a equipa do PMSR.
  • Desenvolver um programa de reequilíbrio na distribuição do espaço viário, para construção de passeios mais largos e de vias dedicadas à circulação de bicicletas (estima-se que 70 a 80% do espaço urbano esteja alocado ao automóvel).
  • Reduzir o volume de tráfego de forma generalizada na cidade, com uma política de estacionamento coerente que:
  1. garanta a cobertura de toda a cidade por zonas tarifadas pela EMEL;
  2. agrave o valor do estacionamento para visitantes e o valor dos dísticos para residentes (que devem passar a pagar o real custo do espaço que ocupam); 
  3. preveja acordos com os grandes parques de estacionamento existentes à entrada de Lisboa (ex: Alvaláxia, Colombo, Estádio da Luz, Pingo Doce da Bela Vista) para que sejam utilizados como parques dissuasores.
  • Reduzir a velocidade do tráfego, implementando a velocidade máxima de 30km/h em toda a cidade (exceptuando-se apenas as vias definidas no PDM de Lisboa como Rede Rodoviária Nacional de 2.º nível e superiores). 
  • Restringir o acesso automóvel ao centro histórico, implementando uma Zona de Acesso Automóvel Reduzido e aumentando as ruas pedonais. Programar a disseminação de zonas semelhantes pelos restantes bairros da cidade, identificando ruas susceptíveis de serem pedonalizadas, a fim de que todos os bairros possam ter, pelo menos, uma rua pedonal.
  • Proteger os bairros do tráfego de atravessamento, criando mais Zonas de Acesso Automóvel Condicionado (ZAAC) em áreas especialmente sensíveis; generalizando a criação de Zonas de Acalmia; desencorajando bypasses e criando condições para que as viragens à esquerda se realizem directamente e sem recurso a “voltas à espanhola” (viragens à esquerda indirectas, muitas vezes contornando um quarteirão).
  • Criar condições de segurança nos locais onde os sinistros são recorrentes, tendo por base o mapa de sinistralidade rodoviária (que deve estar disponível online, no site da CML); e melhorar as condições de segurança para peões e pessoas que usam a bicicleta — em especial nas intersecções.
  • Dialogar com as apps de navegação para garantir que as características das vias são vertidas nos sistemas e que as ruas de acesso local são identificadas como ruas 10 ou 20 km/h, evitando assim que o tráfego de atravessamento seja encaminhado para ruas locais.
  • Considerar a lógica do “road diet”, ou seja, estreitamento da rodovia, sempre que possível, transformando faixas de rodagem com 2 + 2 em 1,5 + 1,5 (solução de 3 vias, com a via central dedicada a multiusos: viragens à esquerda, ilhas para peões, arborização…). Esta lógica deve, por exemplo, ser considerada na Av. de Roma, permitindo que as viragens à esquerda se façam a partir do centro, motivando a acalmia de tráfego sem prejuízo da sua fluidez e captando espaço rodoviário para os modos activos ou transporte público.
  • Priorizar o conforto e a segurança de peões e bicicletas em torno de interfaces de transporte.
  • Promover medidas de urbanismo táctico (rápidas e baratas) para reduzir velocidades, tais como: redução dos raios de viragem; criação de passeios contínuos; implementação de plataformas sobrelevadas e de ilhas para atravessamento de peões; redução pontual da largura das vias; colocação de almofadas de Berlim; criação de chicanas usando estacionamento alternado, entre outras.
  • Fechar ao trânsito motorizado, nos horários de entradas e saídas, as ruas em torno das escolas, à semelhança do que é boa prática noutras cidades (por exemplo Barcelona), assim como no exemplo recente em Lisboa no Jardim-Escola João de Deus dos Olivais.
  • Iniciar um programa de monitorização da poluição à porta das escolas, divulgando regularmente pela comunidade escolar os resultados obtidos e encorajando trabalhos escolares sobre os níveis de emissão e exposição de diferentes modos de transporte.

3 | Desenhar para todos

  • Recuperar as ruas como espaço público de usufruto para crianças e pessoas adultas, definindo uma estratégia que combine a criação de zonas de acalmia de tráfego e super-quarteirões nos bairros residenciais.
  • Prever e adoptar a perspectiva de género na elaboração de políticas, medidas, projectos relativos a espaço público, mobilidade e urbanismo, incluindo dados relativos à utilização dos diferentes modos de transporte, discriminados por género.
  • Definir e implementar uma rede pedonal hierarquizada, dando condições de segurança e conforto aos utilizadores mais vulneráveis (nomeadamente crianças, idosos, acompanhantes de crianças de colo e pessoas com mobilidade reduzida) e incentivando que mais e maiores percursos se façam a pé.
  • Encarar os modos a pé e em bicicleta como um complemento determinante do transporte público, garantindo ligações seguras e apelativas às interfaces de transportes públicos (comboio, metro, autocarro, barco) (ex: a Rua do Sol ao Rato constitui uma ligação essencial entre Campo de Ourique e o Largo do Rato, onde passam inúmeros transportes públicos, apresentando passeios de 40 cm).
  • Criar um programa de abertura regular (semanal/mensal) de ruas às pessoas, interditando o trânsito motorizado, que incida sobre os bairros residenciais. O encerramento temporário de determinadas ruas ao tráfego deverá servir para testar soluções de carácter permanente.
  • Rever o Plano de Acessibilidade Pedonal, de modo a repriorizar acções e acelerar a sua implementação no sentido de melhorar e promover as deslocações a pé.
  • Fiscalizar de forma rigorosa, eficaz e inexorável o estacionamento automóvel ilegal em segunda fila, nos passeios, nas passadeiras ou a menos de 5 metros destas e nas vias para bicicletas.
  • Reservar um número mínimo de lugares para carga/descarga, em cada quarteirão que revele essa necessidade. Em média o valor económico das viagens para cargas/descargas é muito superior ao de outras viagens realizadas por outro tipo de veículo. ​​A falta de lugares para este fim propicia o estacionamento em segunda fila, motivando conflitos desnecessários, criando situações de insegurança para quem anda de bicicleta e prejudicando a fluidez do transporte público.

4 | Activar a mobilidade

  • Prosseguir com a implementação de uma rede segura para bicicletas, de forma a colmatar as ligações em falta e a assegurar uma efectiva rede, segura para todos, apelativa e viável para muitos mais. Recorrer, quando necessário, ao conhecimento de especialistas reconhecidos e de instituições internacionais de promoção dos modos activos.
  • Incentivar o acesso à escola em modos sustentáveis, privilegiando as deslocações a pé e de bicicleta — reduzindo velocidades, dando especial atenção à segurança nas passadeiras; criando estacionamentos seguros e práticos; promovendo pedibus e comboios de bicicletas e ensinando as crianças a usar a bicicleta na cidade. Deverá ainda ser permitida a utilização do sistema de bicicletas partilhadas GIRA já a partir dos 16 anos e, numa segunda fase, a partir dos 14 anos (com condições próprias para utilizadores abaixo dos 18 anos).
  • Criar um sistema de aluguer de bicicletas personalizadas de acordo com as necessidades de diferentes utilizadores, com a duração mínima de 6 meses e máxima de 9 meses, à semelhança do sistema VELIGO da Île-de-France/Paris, para que as pessoas e as suas famílias possam experimentar deslocar-se de bicicleta no dia-a-dia.
  • Implementar estacionamentos para bicicletas seguros e de longa duração em zonas residenciais com edificado mais antigo (recorrendo aos parques de estacionamento público quando possível) e junto às interfaces de transporte público (estações ferroviárias, fluviais, terminais rodoviários).
  • Instituir a circulação ciclável bidireccional nas ruas de sentido único rodoviário (na maior parte das circunstâncias bastará simples sinalização vertical/horizontal), replicando a regra implementada em grande parte das cidades europeias (estudos indicam que a generalização desta regra melhora a segurança rodoviária). Permitir o duplo sentido ciclável elimina obstáculos à utilização da bicicleta e torna este meio de transporte ainda mais seguro, prático e eficiente no dia-a-dia.
  • Facilitar o transporte de bicicletas nos transportes públicos, nomeadamente da Carris, CP, Fertagus e Transtejo, trabalhando no sentido de aumentar o número de bicicletas permitidas nos cacilheiros, por exemplo, que está aquém do que é necessário actualmente.
  • Oferecer 3 anos de passe familiar gratuito + Gira aos residentes que façam prova do abatimento de um automóvel.
  • Voltar a financiar a compra de bicicletas (eléctricas, convencionais, de carga e adaptadas) e, numa lógica de sustentabilidade, criar apoios para arranjo e manutenção de bicicletas usadas, em oficinas de pequena dimensão.
  • Apoiar iniciativas comunitárias de apoio e promoção da utilização da bicicleta, tais como cicloficinas de bairro ou escolares, permitindo o contacto direto com as comunidades e desenvolvendo localmente hábitos de mobilidade em bicicleta.

 

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