As medidas para mitigar o aumento de preços nos combustíveis terão custado aos contribuintes portugueses 700 milhões de euros em apenas 8 meses. Esta é uma oportunidade perdida para investir em opções de mobilidade mais eficientes e sustentáveis, como os transportes públicos e os modos activos, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis. O custo com dois dias de redução do ISP seria suficiente para um primeiro ano de um programa nacional bike-to-work e seis dias de redução do ISP permitiriam aplicar a taxa reduzida de IVA de 6% a bicicletas durante um ano inteiro, por exemplo.

Face ao aumento dos preços dos combustíveis fósseis, o Parlamento Português aprovou, em Abril, uma nova lei que dá margem ao Governo para reduzir o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), até ao final do ano. No início de Maio, o Governo baixou o ISP no equivalente a uma redução do IVA de 23% para 13%. Esta medida custará mais de 80 milhões de euros por mês aos cofres do Estado.

De Novembro a Junho, entre reduções de impostos, subsídios e impostos que se deixaram de cobrar na área dos combustíveis, terão sido 700 milhões de euros, anunciou há dias o Governo. São praticamente 100 milhões de euros por mês que as medidas para mitigar o aumento do preço dos combustíveis fósseis custam aos contribuintes portugueses. Possivelmente, chegaremos ao final do ano com um montante equivalente ao orçamento de 2022 do Fundo Ambiental destinado a subsidiar os custos dos combustíveis fósseis. 

Uma parte destas verbas é absorvida pelas empresas petrolíferas e não chega sequer aos consumidores portugueses. Em acréscimo, as medidas são altamente inequitativas do ponto de vista social. Segundo a ONG Transport & Environment[1], dos 334 milhões de euros de redução de impostos sobre combustíveis em Portugal entre Novembro e Fevereiro, 103 milhões foram benefício dos 10% da população com maior poder económico, oito vezes mais que os 10% mais pobres, que só beneficiaram em 13 milhões. Os condutores com maiores recursos económicos consomem, em média, mais combustível – conduzem mais, muitas vezes sozinhos e com veículos de maior potência e mais poluentes. Enquanto isso, as pessoas que usam transportes públicos não recebem nada. 

Esta é uma oportunidade perdida para dirigir mais investimentos à mobilidade sustentável e descarbonizar o sistema de transportes. Para que tal aconteça, teremos que reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis em vez de continuar a encorajar o seu consumo. Metade das deslocações nas duas áreas metropolitanas são inferiores a 5 km, e muitas delas poderiam ser feitas a pé ou de bicicleta, se os ambientes urbanos fossem seguros e confortáveis para estes modos.

Contudo, na proposta de Orçamento do Estado para 2022, o Governo destinou somente 400 mil euros para a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030. O custo que o Estado suporta com um dia de redução do ISP (2.7 milhões) é, assim, sete vezes superior ao investimento previsto para um ano inteiro na ENMAC 2020-2030. Em comparação, a República da Irlanda, com metade da população portuguesa, investe diariamente 1 milhão de euros (360 milhões por ano) na mobilidade activa[2]. Dito de outra forma, a Irlanda destinou para a mobilidade activa 1500 vezes mais dinheiro do que Portugal, per capita. E, nos próximos meses, o Governo português destinará cerca de 2500 vezes mais a compensar as perdas fiscais dos combustíveis fósseis do que investirá na mobilidade activa. Se adicionarmos a estes números absurdos os custos sociais e ambientais (as chamadas externalidades) dos combustíveis fósseis e do uso excessivo do automóvel, concluímos que esta não é uma forma responsável de pensar o futuro.

Dois dias de redução do ISP seriam suficientes para um primeiro ano de um programa nacional bike-to-work, como existem em muitos outros países europeus, que recompensasse financeiramente as pessoas que se deslocam para o trabalho em bicicleta em vez de carro. O mesmo custo de seis dias de redução ISP permitiria baixar o IVA nas bicicletas de 23% para a taxa reduzida de 6% ao longo de um ano. 

A Agência Internacional da Energia publicou recentemente um relatório[3] em que aconselha os governos de todo o mundo a adoptarem medidas para a redução do consumo de combustíveis fósseis. A eficiência energética e a redução do consumo são a “Arábia Saudita da Europa”. Promover modos sustentáveis, como recomendamos no nosso Manifesto “Mudar a mobilidade urbana: do discurso à acção política[4], é e será um elemento-chave para reduzir a nossa dependência dos combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, estaremos a contribuir para os objectivos climáticos, a reduzir os custos dos congestionamentos de trânsito nas cidades[5] e a melhorar a saúde pública e a qualidade de vida urbana. Mas também se conclui que políticas de incentivo ao uso de modos sustentáveis estarão votadas ao fracasso se, em simultâneo, continuarmos a subsidiar, com o dinheiro de todos, as deslocações em automóveis.

Portugal terá de reduzir até ao final da década as emissões em pelo menos 55%, face a valores de 2005. Contudo, somos o segundo país da União Europeia que mais usa o automóvel e o sector dos transportes é desde 2019 o sector com maior peso (28%) nas emissões do país, tendo as emissões dos transportes em Portugal aumentado 60% em relação a 1990.

Rui Igreja, dirigente da MUBi, acrescenta que “os elevados encargos para os contribuintes e as famílias portuguesas do custo dos combustíveis resultam, em larga medida, da inércia dos sucessivos governos em proporcionar às pessoas alternativas de transporte mais eficientes, económicas e sustentáveis. Por razões geopolíticas ou pela necessidade de redução de emissões, o preço dos combustíveis fósseis tenderá a aumentar nos próximos anos, e, se continuarmos a repetir os mesmos erros, estaremos a exacerbar os problemas e a aumentar as desigualdades sociais.

Notas:

Um estudo recente[6] sobre os custos sociais e ambientais dos vários modos de transporte, sugere que cada quilómetro percorrido de automóvel incorre num custo externo de 0,11 euros, enquanto que a bicicleta e a marcha representam benefícios de 0,18 euros e 0,37 euros por quilómetro. O estudo recomenda que as políticas públicas na UE deveriam ser alargadas, para melhor incluir toda a gama de externalidades, e, sempre que possível, serem utilizadas comparativamente para melhor compreender as consequências das diferentes decisões de investimento em transportes.

Segundo um recente estudo liderado pela Universidade de Oxford[7,8], com dados de cidades de toda a Europa, os ciclistas produzem menos 84% de emissões de CO2 relacionadas com a mobilidade do que os não ciclistas, e quem troca o carro pelo uso da bicicleta reduz as suas emissões em 3,2 kg de CO2 por dia. A transferência modal do carro para a bicicleta contribui dez vezes mais para a redução de emissões de ciclo de vida que a transformação da motorização automóvel para veículos eléctricos, conclui o mesmo estudo.

Referências:

[1] Transport & Environment, A dereliction of fuel duty: Europe’s €9 billion gift to Putin and the rich, 22 de Março de 2022.
https://www.transportenvironment.org/wp-content/uploads/2022/03/2022_03_study_fuel_excise_duty_measures.pdf

[2] Government of Ireland, Budget 2022 to help transform how we travel, 14 de Outubro de 2021.
https://www.gov.ie/en/press-release/31570-2022-budget-to-help-transform-how-we-travel/

[3] International Energy Agency, A 10-Point Plan to Cut Oil Use, Março de 2022.
https://www.iea.org/reports/a-10-point-plan-to-cut-oil-use

[4] MUBi, Mudar a mobilidade urbana: do discurso à acção política, Dezembro de 2021.
https://mubi.pt/wp-content/uploads/2021/12/MUBi_MANIFESTO-Legislativas2022.pdf

[5] Gössling, S., Choi, A., Dekker, K., & Metzler, D. (2019). The social cost of automobility, cycling and walking in the European Union. Ecological Economics, 158, 65-74.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0921800918308097

[6] Cinco milhões de euros por dia queimados no trânsito, Jornal de Notícias, 1 de Outubro de 2014.
https://www.jn.pt/economia/cinco-milhoes-de-euros-por-dia-queimados-no-transito-4154558.html

[7] C. Brand et. al. (2021), The climate change mitigation effects of daily active travel in cities. Transportation Research Part D: Transport and Environment, 93.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1361920921000687

[8] C. Brand (2021), Cycling is ten times more important than electric cars for reaching net-zero cities. The Conversation.
https://theconversation.com/cycling-is-ten-times-more-important-than-electric-cars-for-reaching-net-zero-cities-157163

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