No dia 11 de Julho decorreu na livraria Ler Devagar, em Lisboa, a terceira sessão do “Ciclo de Conversas | Lisboa: por uma Cidade Viva e Acessível”. Participaram nesta sessão três das 11 entidades que subscrevem as nossas recomendações para a cidade: a APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil, representada pela Sandra Nascimento; a Mulheres na Arquitectura (MA), através da Joana Pestana Lages; e a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, com a participação de Carlos Moura.

Esta sessão, moderada pela Rita Castel Branco da MUBi, teve por base o terceiro eixo do documento Lisboa: cidade viva e acessível, com o tema “Desenhar para Todos”. O espaço público deve ser de todos e para todos — independentemente do género, da idade, do nível sócio-económico… —  e, sendo o modo pedonal a base universal das deslocações humanas, é essencial garantir um espaço público que, respeitando os princípios de desenho universal, seja inclusivo, seguro e confortável para todas as idades e condições físicas. 

A moderadora começou por perguntar a cada orador como se tinham deslocado até à livraria Ler Devagar, na Lx Factory, na freguesia de Alcântara, e também se essa opção de mobilidade fora a sua primeira escolha. Esta pergunta tem sido transversal a este ciclo de conversas e, no fundo, serve para tomar o pulso à facilidade e dificuldades com que todos nos confrontamos nas deslocações.

Sandra Nascimento, da APSI

Sandra Nascimento, da APSI chegou à sessão de eléctrico, um modo de transporte muito directo a partir do seu local de residência, mas gostaria de ter ido de bicicleta. A dificuldade de estacionamento e algum receio de enfrentar zonas com muito trânsito automóvel demoveram-na dessa ideia. Joana Pestana Lages, da MA, veio de carro porque tivera um dia com imensas deslocações, algumas delas demasiado difíceis de fazer de bicicleta. Carlos Moura, da Quercus, escolheu o autocarro directo que ligava o seu ponto de origem a Alcântara.

Uma cidade com espaço para as crianças beneficia todos

Para dar o arranque ao tema da conversa, foi pedido à Sandra Nascimento que falasse um pouco da actividade da APSI na busca de mais segurança para as crianças no dia-a-dia e, em particular, sobre a importância da sua mobilidade na prossecução desse objectivo. 

A Sandra destacou que a segurança não se deve ficar pelos mínimos possíveis, mas que deve procurar-se obter a segurança necessária nos espaços públicos, de forma a que as crianças possam ir a pé para a escola, brincar na rua, encontrar-se com amigos/as de forma autónoma. Sendo a sinistralidade rodoviária a principal causa de morte de crianças e jovens, é essencial mudar o paradigma da mobilidade para reduzir as deslocações em automóvel particular, tal como a quantidade de carros a circular nas cidades. No fundo, também porque, nas palavras da Sandra, “quando projectamos uma cidade com o espaço para as crianças, ela traz benefícios para todos”.

Referiu ainda como é essencial que as crianças participem no desenho do espaço público que por elas será utilizado, uma vez que ainda não têm a sua visão formatada pelos paradigmas vigentes.

Joana Pestana Lages, representante das Mulheres na Arquitectura

A representante das Mulheres na Arquitectura, Joana Pestana Lages, foi desafiada a explicar a relevância de uma arquitectura e de um urbanismo feminista. Após uma breve apresentação da associação, salientou que esta não é composta apenas por mulheres arquitectas, e que procura ter uma visão mais abrangente de quem devem ser os intervenientes na concepção de um espaço urbano que é também habitado e utilizado pelas mulheres. 

Traçando uma definição de urbanismo feminista, a Joana falou de como este surge em contestação do urbanismo centrado num modelo funcionalista — que separa as zonas da cidade consoante as suas funções e, assim, incentiva a utilização do automóvel particular. Tendo em conta que, na generalidade, os homens utilizam mais o automóvel, e as mulheres fazem deslocações mais curtas na realização de tarefas do quotidiano, este modelo funcionalista reforça os estereótipos conservadores e antiquados do papel das mulheres na sociedade. Um urbanismo feminista, inclusivo, procura, assim, contrariar essas divisões, tantas vezes quase imperceptíveis, mas que moldam a forma como as pessoas de diferentes géneros (ou até de diferentes etnias) se movem e usufruem da cidade.

Mais equilíbrio na distribuição do espaço público

Carlos Moura, da Quercus, referiu que a cidade não pode ser desenhada em torno do automóvel, não só pela poluição que este causa mas também pela ocupação do espaço urbano.

Rita Castel Branco, da MUBi, e Carlos Moura, da Quercus

Procurando a opinião da APSI, a moderadora perguntou de que forma Lisboa é uma cidade boa para as crianças e em que campos está mais longe de lhes garantir a justiça que elas merecem. 

A Sandra defende como ponto central que “é preciso garantir um maior equilíbrio na distribuição do espaço urbano, sobretudo em zonas de escola e residenciais”

Servindo-se de alguns temas abordados na anterior sessão deste ciclo de conversas, a Rita pediu à Joana para abordar o tema do medo de usar a cidade e a bicicleta em particular, e de como esse sentimento pode ter expressões diferentes consoante os géneros. “A remodelação do espaço público é essencial, e em Lisboa já se nota a presença cada vez maior de mulheres a utilizarem a bicicleta”, notou a representante das Mulheres na Arquitectura. Neste ponto a Rita lembrou que a percentagem de mulheres a circular de bicicleta é um bom indicador das condições gerais para este meio de transporte.

Após a fase de conversa entre moderadora e convidados/as, foi altura de o público dirigir algumas questões à mesa. A primeira, sobretudo dirigida às duas arquitectas presentes, foi sobre o peso da influência do desenho urbano nas escolhas de mobilidade dos munícipes, contrariando aquilo a que alguns chamam de existência de uma “cultura do automóvel”.  Em resposta, a Joana afirmou que “o desenho tem essa capacidade de potenciar o uso” e refere a necessidade de tirar espaço ao carro, por exemplo, para aumentar passeios ou simplesmente fechar os centros urbanos. Deu ainda vários exemplos internacionais e falou na importância da coragem política para fazer estas transformações.

Um outro elemento do público, promotor de “comboios de bicicletas” na escola que os filhos frequentam, pediu conselhos à representante da APSI sobre como abordar pais e mães com menor participação para procurar contrariar a natural resistência à mudança. A sugestão foi focar nas crianças, tentar que o processo seja ainda mais divertido para elas – e foram dados alguns exemplos de “gamification” – , e começar por dias especiais.

A moderadora encerrou a conversa com a já habitual pergunta sobre qual a medida que cada orador/a adoptaria se para tal tivesse poder.

Carlos Moura: “Uma rede de transportes, integrada, coerente e sustentável.”
Joana Pestana Lages: “Passeios mais largos!”
Sandra Nascimento: “Criar uma zona à volta das escolas completamente livre de carros.”
Rita Castel Branco: “Mais habitação acessível dentro das cidades.”

Este Ciclo de Conversas teve ainda mais uma sessão no mês de Julho, com a participação de Ricardo Ferreira da MUBi, Patrícia Tavares do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente e Julia Balbinot da Cicloda – Associação Oficina da Ciclomobilidade.

Pode assistir à gravação da sessão “Desenhar para Todos” no nosso canal de YouTube:

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