Depois de o Plano de Recuperação e Resiliência ter destinado zero investimento à mobilidade activa, é inaceitável que também o Programa para a Acção Climática e Sustentabilidade (PACS) [1], do Portugal 2030, exclua os modos de transporte mais saudáveis, económicos, energeticamente eficientes e ambientalmente sustentáveis – o caminhar e a utilização da bicicleta.

As emissões da mobilidade e transportes em Portugal têm vindo a aumentar continuamente há uma década, e este é, desde 2019, o sector com maior peso (28%) nas emissões do país. Os transportes rodoviários são responsáveis por mais de 95% destas emissões [2] e também a principal causa da poluição do ar nas cidades.

Perto de um quarto de todas as emissões dos transportes são provenientes das áreas urbanas [3], onde mais de 30% das viagens de carro cobrem distâncias inferiores a 3 km e 50% são inferiores a 5 km. Estas distâncias podem ser feitas em 15-20 minutos de bicicleta ou em 30-50 minutos a pé, representando um potencial considerável para reduções significativas no consumo de combustíveis fósseis e de emissões de gases com efeito de estufa.

A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030 [4] encontra-se já no quarto ano de implementação. A Estratégia Pedonal (ENMAP) 2030 será definitivamente aprovada com dois anos e meio de atraso. Ambas estão sem recursos, e, sem uma rápida e radical mudança de atitude, o Governo falhará largamente as metas intercalares da ENMAC para 2025. Já daqui a três anos, 4% das viagens nas cidades portuguesas deverão ser feitas em bicicleta, o que corresponde a aumentar dez vezes a quota modal da bicicleta nas duas áreas metropolitanas, face a valores de 2017.

No final da década, deverão existir mais de meio milhão de utilizadores quotidianos de bicicleta em Portugal e os modos activos constituirão a opção principal de deslocação para quase metade dos portugueses. Alcançar estas metas exige um grande investimento e esforço colectivo do Estado para uma profunda transformação da mobilidade urbana no país.

É irrealista pensar-se que conseguiremos promover a mobilidade activa nas cidades e alcançar as metas da ENMAC 2020-2030 apenas com infraestruturas dedicadas. Os investimentos previstos em infraestruturas nos programas regionais do Portugal 2030 são, por isso, insuficientes para terem um contributo relevante na transferência modal do automóvel para os modos activos.

Acresce que cerca de um terço das 51 medidas da ENMAC 2020-2030 estão previstas ser financiadas por Fundos Comunitários. Muitas destas – como apoiar a investigação científica na área da mobilidade activa, a formação de técnicos de organismos públicos ou fomentar a implementação de sistemas públicos de bicicletas partilhadas, entre outras – não têm cabimento nas componentes de investimento consignadas nos programas regionais.

É de salientar que, contradizendo a exclusão dos modos activos de deslocação, o próprio Programa para a Ação Climática e Sustentabilidade, na Prioridade 2B – Mobilidade Urbana Sustentável, indica que «A transição para uma mobilidade urbana segura, acessível, inclusiva, inteligente, resiliente e de emissão zero requer um foco absoluto na mobilidade ativa, coletiva e partilhada, assente em soluções de baixas ou zero emissões.»

A MUBi considera que o Programa para a Ação Climática e Sustentabilidade deverá incluir investimentos em áreas como:

  • Promoção da mobilidade activa através de campanhas inseridas num esforço mais alargado de mudar a cultura de mobilidade em Portugal, incluindo apoio de iniciativas educacionais e motivacionais para o uso utilitário da bicicleta e o andar a pé abrangendo idosos, adultos trabalhadores e crianças no âmbito da mobilidade escolar.
  • Apoios para os municípios implementarem, ou expandirem, sistemas públicos de bicicletas partilhadas em zonas urbanas.
  • Apoios para os municípios elaborarem e implementarem Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) e Planos Municipais de Segurança Rodoviária. E condicionar os apoios financeiros à existência desses planos.
  • Programa nacional de incentivo a movimentos pendulares casa-trabalho em bicicleta, a exemplo dos que já existem em vários países europeus.
  • Reforço e capacitação técnica para a área da mobilidade activa e sustentável das estruturas e serviços públicos que trabalham nas áreas da mobilidade e dos transportes, ordenamento do território, planeamento urbano e sinistralidade rodoviária.
  • Financiamento de projectos de investigação, desenvolvimento e inovação na área da mobilidade activa.

Rui Igreja, dirigente da MUBi, acrescenta que “é inaceitável que o Governo não cumpra o que o próprio Governo aprovou, ao deixar de fora dos fundos comunitários um importante conjunto de medidas da ENMAC 2020-2030. Anunciar metas não chega, é preciso que as estratégias nacionais para os modos activos sejam dotadas dos meios e recursos que garantam a prossecução dos seus objectivos.” 


[1] Programa Temático para a Acção Climática e Sustentabilidade (versão de 04 de junho de 2022)
https://participa.pt/contents/consultationdocument/sfc2021-PRG-2021PT16CFPR001-1.0.pdf

[2] Agência Portuguesa do Ambiente (2021), Portuguese National Inventory Report on Greenhouse Gases Emissions 1990-2019.
https://www.apambiente.pt/sites/default/files/_Clima/Inventarios/NIR20210415.pdf

[3] European Climate Infrastructure and Environment Executive Agency (2022), Green Urban Mobility, Comissão Europeia.
https://cinea.ec.europa.eu/publications/green-urban-mobility_en

[4] Resolução do Conselho de Ministros n.º 131/2019.
https://files.dre.pt/1s/2019/08/14700/0004600081.pdf

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