A MUBi entregou ao Governo um conjunto de recomendações para a actualização do Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030). Portugal só conseguirá cumprir os objectivos de descarbonização com uma significativa redução do número de automóveis em circulação. A MUBi propõe que o PNEC 2030 estabeleça a meta de reduzir a distância total percorrida em todas as viagens de carro em pelo menos 20% até 2030. No entanto, incentivar comportamentos desejáveis de mobilidade é insuficiente, e a actualização do PNEC 2030 deverá explorar opções equitativas de gestão da procura para desencorajar o uso do carro, principalmente nas cidades. O Governo deverá, também, alocar recursos às estratégias nacionais para os modos activos, incluindo a drástica redução do risco rodoviário e a melhoria da intermodalidade dos modos de transporte mais sustentáveis.

Portugal tem de entregar à Comissão Europeia a primeira actualização do Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), até junho deste ano. Nesta revisão, a Comissão requer aos Estados-Membros que as metas nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2030 sejam de pelo menos 55%. Isto significa que a redução de emissões no PNEC 2030 terá de ser actualizada do intervalo 45%-55%, na versão submetida à Comissão em 2019, para pelo menos 55% ou, desejavelmente e em linha com o objectivo de conter o aquecimento global abaixo de 1,5º C, para pelo menos 60% em relação a 2005. Neste sentido, também a meta sectorial de redução de emissões nos transportes deverá ser revista, dos 40% da versão de 2019, para um valor superior.

Transportes são um sector problemático no caminho para a descarbonização

Contudo, as emissões dos transportes em Portugal têm vindo a crescer continuamente há uma década – na tendência oposta à que deveriam estar a evoluir. São actualmente cerca de 10% superiores às emissões em 2013 e 65% mais elevadas que em 1990. Portugal é o segundo país de toda a Europa com maior taxa do uso do automóvel no transporte de passageiros e as políticas públicas para a mobilidade sustentável têm sido insuficientes para conter o crescimento da quota modal do uso do carro nas deslocações pendulares, que aumentou de 62% para 66% entre 2011 e 2021.

O sector da mobilidade e transportes em Portugal é, desde 2019, o sector com maior peso (28%) nas emissões do país e responsável por 37% do consumo de energia final (contra 30%, em média, na União Europeia). O transporte rodoviário é responsável por mais de 95% das emissões e do consumo energético deste sector. Para além disso, é também a principal causa da poluição do ar nas cidades, que provoca a morte prematura de cerca de 6 mil pessoas cada ano em Portugal.

Redução da circulação automóvel em pelo menos 20% até 2030

O foco no desenvolvimento tecnológico dos automóveis privados, por exemplo através da mudança de motorização para veículos eléctricos, não permitirá ao país alcançar as metas de descarbonização. Também não resolve muitos dos outros problemas relacionados com o uso do automóvel nas zonas urbanas – nomeadamente o consumo de espaço, congestionamentos de trânsito, sinistralidade, emissão de partículas, etc. A simples substituição do parque automóvel será demorada, e só conseguiremos cumprir os objectivos e compromissos de redução de emissões nos transportes com uma significativa redução do número de automóveis em circulação e da sua utilização. A MUBi considera, por isso, que Portugal deverá estabelecer a meta de reduzir a distância total percorrida em todas as viagens de carro em pelo menos 20% até 2030, com maior incidência nas áreas urbanas, tal como as metas fixadas pela República da Irlanda e a Escócia.

Esta meta deverá constar do PNEC 2030 e também do plano de mitigação de emissões para o sector do transportes, que o Governo deverá aprovar nos próximos 10 meses (até janeiro de 2024), conforme determina a Lei de Bases do Clima. No entanto, incentivar comportamentos de mobilidade desejáveis é insuficiente num contexto em que o uso do carro permaneça fácil e atractivo em termos individuais, enquanto que os prejuízos para o ambiente e a saúde pública, entre outros, são largamente externalizados. Por isso, a actualização do PNEC 2030 deverá explorar opções equitativas de gestão da procura para desencorajar o uso do carro, principalmente nas áreas urbanas.

Promover a mobilidade activa e sustentável, em detrimento do automóvel, em contexto urbano

Mais de 30% das deslocações nas cidades são inferiores a 3 km e 50% inferiores a 5 km, e muitas delas poderiam ser feitas a pé ou de bicicleta, se existirem condições de conforto e segurança para o uso destes modos, ou em combinação com os transportes públicos em distâncias mais longas.

O Governo deve urgentemente alocar recursos às estratégias nacionais para a mobilidade em bicicleta e pedonal, ENMAC 2020-2030 e ENMAP 2030, e definir as fontes de financiamento e a calendarização das suas medidas. As metas e estimativas orçamentais para a implementação da ENMAC 2020-2030 e da ENMAP 2030 devem estar indicadas no PNEC 2030, que deverá também incluir medidas para a redução do risco rodoviário a que estão sujeitos os modos activos em meio urbano e a melhoria da intermodalidade destes com outros modos sustentáveis.

Portugal deve adoptar um programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) por parte dos municípios portugueses, conforme recomendação da Comissão Europeia[1]. Estes Planos devem estar assentes num processo contínuo de melhoria e gestão participativa, seguindo os princípios de priorização dos modos activos e colectivos de deslocação para a redução da dependência do automóvel.

A MUBi defende, ainda, que o PNEC 2030 preveja a antecipação do ano de neutralidade climática para 2045 ou, mesmo, para 2040.

Rui Igreja, dirigente da MUBi, disse que “com os resultados dos censos é agora claro que as políticas de mobilidade em Portugal têm falhado. São necessárias outras políticas e um tipo de intervenção diferente para reduzir o uso excessivo do automóvel e as emissões do sector dos transportes. O Governo português é o que menos tem investido na mobilidade em bicicleta em toda a Europa, 10 vezes menos que países como a Roménia e a Bulgária e 120 vezes menos que a República da Irlanda. Só uma nova rotunda em Aveiro vai custar mais do dobro do que o Orçamento do Estado para 2023 destinou às estratégias nacionais para a mobilidade em bicicleta e pedonal para o país inteiro!

Notas:

Num extenso relatório, publicado em 2022, com o mote «o tempo para agir é agora», o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) enfatiza a importância de modelos de cidade compactas e a adopção dos modos activos de transporte, como o andar a pé e de bicicleta, para a redução do consumo energético e, por sua vez, também das emissões.[2]

Nas recomendações específicas por país, no âmbito do Semestre Europeu, a Comissão e o Conselho da União Europeia destacam a necessidade de Portugal avançar com projectos cruciais para promover a utilização da bicicleta e os transportes públicos, por forma a reduzirmos a dependência dos combustíveis fósseis no sector dos transportes.[3]

Na Revisão do Desempenho Ambiental de Portugal, publicada esta semana, a OCDE inclui recomendações como:
– redução do uso do automóvel particular;
– facilitar o acesso a serviços e actividades por mobilidade activa e transporte público nas cidades;
– integrar a redução da dependência do automóvel particular como requisito para o ordenamento do território e gestão da rede viária nos planos climáticos municipais;
– desenvolvimento de zonas de emissões reduzidas nas cidades.[4]

[1] Recomendação (UE) 2023/550 da Comissão de 8 de março de 2023 sobre os programas nacionais de apoio ao planeamento da mobilidade urbana sustentável.
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32023H0550

[2] The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), The evidence is clear: the time for action is now. We can halve emissions by 2030, 4 de Abril de 2022.
https://www.ipcc.ch/2022/04/04/ipcc-ar6-wgiii-pressrelease/

[3] Recomendação do Conselho relativa ao Programa Nacional de Reformas de 2022 de Portugal e que emite um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade de 2022 de Portugal, 13 de junho de 2022.
https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-9770-2022-INIT/pt/pdf

[4] OECD, OECD Environmental Performance Reviews: Portugal 2023, 14 de março de 2023.
https://www.oecd-ilibrary.org/sites/64da8e69-en/index.html?itemId=/content/component/64da8e69-en#chapter-d1e1150-9d4d7d0e2c

O documento completo que a MUBi enviou ao Governo, com o contributo e recomendações para o PNEC 2030, está disponível AQUI.

Comments are closed.