Figura 1 – Autor do texto, após um ano e meio a andar de bicicleta de forma utilitária

Nos meios urbanos em Portugal, onde os veículos automóveis dominam o espaço público e são a forma preferencial de mobilidade, a prática de caminhar para pequenas deslocações tornou-se desconfortável ou simplesmente socialmente desadequada. Há fatores sociais e até psicossexuais relacionados com o status quo do automóvel, que fazem com que a prática ciclística ainda seja encarada por muitos com desconfiança. Todavia, esta “ciclofobia” demonstrada por alguns sectores da sociedade tem-se revelado prejudicial em muitos índices que medem o desenvolvimento de uma nação, alguns dos quais a saúde e o bem-estar.

Portugal apresenta uma repartição modal onde o automóvel é o meio de transporte mais utilizado (cerca de 53%). De referir ainda que, nas deslocações usando modos ativos, o panorama nacional é muito desanimador em comparação com os outros países da União Europeia. As deslocações em bicicleta, apesar de terem aumentado de 1 para 1,6% entre 2007 e 2010, mantinham‐se distantes da média europeia (7,4%). As deslocações em bicicleta conheciam valores superiores na Hungria (19,1%), na Dinamarca (19%), na Suécia (17,1%), na Bélgica (13,4%), na Alemanha (13,1%), na Finlândia (12,5%), na Eslováquia (9,5%), na Polónia (9,3%), na Áustria (8%) e na Letónia (7,5%1). A Holanda é o país com a maior repartição modal da bicicleta, onde 40% dos movimentos pendulares em 2007 se faziam optando pela bicicleta[1].

A utilização da bicicleta no dia-a-dia previne doenças cardiovasculares

Considerando agora as causas de morte dos indivíduos, há que referir que os ataques cardíacos, os enfartes e outras doenças do sistema circulatório representam 41% de todas as mortes na União Europeia[2]. Interessa referir que entre os fatores de risco mutáveis para este tipo de doenças cardíacas se encontram o sedentarismo e a obesidade. Segundo a comunidade médica, a falta de atividade física é um fator de risco preponderante para a doença das coronárias. Exercício físico moderado, desde que feito com regularidade, é extremamente benéfico para a saúde, pois tem um importante papel para evitar doenças cardiovasculares. A atividade física moderada e regular previne a obesidade, a hipertensão, a diabetes e baixa os níveis de colesterol. A obesidade é um grande fator de risco para as doenças cardiovasculares. O excesso de peso tem uma maior probabilidade de provocar um acidente vascular cerebral (AVC) ou uma doença cardíaca, mesmo na ausência de outros fatores de risco. A obesidade exige um maior esforço do coração, além de estar relacionada com doença das coronárias, pressão arterial, colesterol elevado e diabetes. Uma simples diminuição de 5 a 10 quilogramas no peso reduz o risco de doença cardiovascular. Em Portugal a maior causa de morte são as doenças do coração, tendo ceifado a vida a 37 mil portugueses só em 2005[3].

Todavia, Portugal, sendo um país com gastronomia mediterrânica, encontra-se em níveis abaixo da média da UE, no que concerne às doenças do coração. A dieta mediterrânica, segundo variadíssimos estudos, é a mais saudável para o coração e para controlar colesterol, triglicéridos, pressão arterial e glicose[4].

Figura 2 – Causa de morte na UE devido a doenças do coração isquémicas, EuroStat

Apesar de se encontrar um padrão com níveis baixos nos países mediterrânicos, é extremamente interessante atestar que o único país do centro da Europa (ou Europa do norte), também com baixos índices de doenças do coração, é a Holanda, exatamente aquele em que se verificou onde havia a maior repartição modal alocada à bicicleta.

A Organização Mundial de Saúde refere que estilos de vida sedentários aumentam todas as causas de mortalidade, dobram o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade, e aumentam os riscos de cancro do cólon, hipertensão, osteoporose, distúrbios lipídicos, depressão e ansiedade. A inatividade física prolongada aumenta também o risco de hábitos tabágicos, como também aumenta o risco de má alimentação e nutrição. De entre as medidas preventivas recomendadas pela OMS encontra-se a atividade física moderada de até 30 minutos por dia, todos os dias[5] . Ora a utilização da bicicleta para fins utilitários, enquanto modus movendi enquadra-se perfeitamente na prática da atividade física moderada, pois, considerando que se leva a bicicleta para o local de trabalho e se alocam pelo menos 15 minutos de deslocação para cada lado, tem o utilizador de bicicleta garantidos 30 minutos de atividade física moderada por dia.

De referir ainda todavia que o sedentarismo generalizado em Portugal, devido em parte à sua elevada taxa de motorização, faz com que a título de exemplo Portugal seja o país da União Europeia com a maior taxa de mortes por Acidente Vascular Cerebral (AVC).  A comunidade médica refere explicitamente que o sedentarismo, ou seja, a inatividade física é um grande factor de risco para o aparecimento de AVC. O facto de Portugal ser um dos países com a maior taxa de motorização da Europa, sendo que a mobilidade automóvel promove drasticamente o sedentarismo, e mesmo tendo o país uma dieta mediterrânica, pode-se explicar assim em parte o facto de Portugal estar em primeiro lugar na taxa de mortalidade por AVC.

A utilização generalizada da bicicleta previne mortes por doenças respiratórias

Vários estudos correlacionam mortes por pneumonia com a poluição provocada por veículos. Há uma forte correlação entre mortes por pneumonia, e fumos de escape de motores de combustão interna, sendo que altas taxas de mortalidade devido à pneumonia e outras doenças respiratórias foram observadas em áreas com elevados níveis de poluição do ambiente, sendo os veículos automóveis a principal fonte das emissões responsáveis pelas referidas mortes[6].

Considerando que Portugal tem a terceira maior taxa de motorização da UE (2004), com 572 veículos por mil habitantes[7], e onde a opção pelo automóvel é preponderante para os movimentos pendulares em meios urbanos, constata-se facilmente que o risco de morte por pneumonia em Portugal é elevado, devido à concentração de gases poluentes emitidos por veículos motorizados. É o que comprovam os dados do Eurostat, que colocam Portugal com o maior índice de mortes por pneumonia, só seguido da Eslováquia. Países onde a qualidade de vida nas cidades é maior, e onde há índices de menor utilização do automóvel e maior utilização da bicicleta, como a Hungria, a Finlândia, a Suíça ou a Áustria, têm baixos níveis de morte por pneumonia. Tal prende-se simplesmente pelo facto de a bicicleta não emitir, para o meio ambiente qualquer gás poluente ou nocivo para a saúde.

O valor acima da média, registado na Holanda, poderá prender-se com a elevadíssima densidade populacional que tem este país, aliado ao facto de ter uma forte industrialização.

Figura 3 – Portugal em 2º lugar em mortes por pneumonia na UE, Eurostat

Países onde se aposta na bicicleta têm menos taxas de mortalidade na estrada

Apesar de comummente se pensar que a utilização da bicicleta como forma utilitária é inseguro, os números na realidade mostram que países com maiores índices de utilização de bicicleta têm menos mortes por acidentes de viação.

Países como a Holanda, a Suécia, a Suíça, Alemanha ou a Noruega, têm muito menos mortes por acidentes de viação em comparação com países onde a taxa de motorização é bem superior, como por exemplo Portugal ou Itália. Cidades onde se aposta na mobilidade clicável tendem a ser muito mais seguras para todos os utilizadores das vias, automobilistas inclusive.

Figura 4 – Portugal com taxa elevada de acidentes de viação, Eurostat

Bem-estar, felicidade, e esperança média de vida relacionados com a prática ciclística de forma utilitária

Países como a Holanda, a Suécia, a Suíça ou a Noruega, são dos países da UE com maior esperança média de vida à nascença[8] . Ora é interessante atestar que nestes países existem elevadas taxas de utilização de bicicleta. Os países onde há políticas públicas de incentivo à bicicleta como a Suíça, a Noruega, a Holanda, a Finlândia ou a Dinamarca, estão no topo dos países onde existe maior bem-estar e nível de satisfação pessoal. De referir também que a bicicleta, sendo praticamente silenciosa, promove cidades com menos ruído, sendo que a poluição sonora é causadora de diversas patologias do foro endócrino, como estresse, ansiedade ou perturbação do sono. Cidades mais silenciosas e mais tranquilas promovem um bem-estar e níveis de saúde superiores aos seus habitantes, em comparação com meios onde existe uma elevada poluição sonora.

Figura 5 – Nível de satisfação com a vida nos países da OCDE

Conclusão

Conclui-se facilmente, qual truísmo ou evidente verdade la Palice, que elevados índices de utilização de bicicleta como forma utilitária e não apenas de lazer, ou uma política pública de incentivo a este meio de transporte individual, melhora objetiva e significativamente os índices de desenvolvimento de um país, em especial os relacionados com saúde, qualidade de vida, esperança média de vida e bem-estar.

Autor: João Pimentel Ferreira, membro da MUBi
Revisão: Paulo Barreto, membro da MUBi, médico

Referências:
1 Plano da Promoção da Bicicleta e Outros Modos Suaves, IMTT, Novembro 2012 (PDF)
2
European Public Health Alliance, What are the leading causes of death in the EU? (URL)

3
Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte, Jornal de Notícias, Virgínia Alves, 2007

4
Dieta mediterrânica é seguro de vida para um coração saudável, Saúde, LUSA/SAPO, 2011 (URL)

5
Physical inactivity a leading cause of disease and disability, warns WHO, OMS, 4 April 2002 (URL)

6
Study links traffic pollution to thousands of deaths, The Guardian, 15 April 2008 (URL)

7
Portugal é um dos países da Europa com mais automóveis por habitante, jornal Público (URL)

8
Life expectancy at birth, by sex, Males, 2010, Eurostat

One Response to Os benefícios para a saúde da utilização da bicicleta

  1. António Pimentel diz:

    E que tal uma campanha, agora que se aproxima a Primavera, para as pessoas aprenderem a andar de bicicleta, uma vez que há muitas pessoas que não sabem e muitas outras que, embora saibam, já perderem a prática.
    Existem locais amplos, como por exemplo junto à foz do rio Trancão.

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