No passado dia 10 de Dezembro, entregámos aos partidos políticos o nosso Manifesto para as Eleições Legislativas de 30 de janeiro de 2022, “Mudar a mobilidade urbana: do discurso à acção política“, desafiando-os a integrar as propostas nos programas eleitorais.

O Manifesto apresenta um conjunto de 10 medidas prioritárias, à escala nacional, para mudar a mobilidade urbana em Portugal, que a MUBi quer ver assumidas pelo próximo governo.

O Manifesto pode ser consultado na íntegra, em PDF, através deste link

Mudar a mobilidade urbana: do discurso à acção política

O Manifesto

A presente década será marcada por uma profunda redefinição da mobilidade urbana. As prioridades do século XX ou das duas primeiras décadas deste século, já não se aplicam ao Portugal de hoje, e as pessoas exigem agora, mais do que nunca, lugares mais verdes, seguros e saudáveis para viver. As Eleições Legislativas de 2022 representam uma oportunidade para que Portugal assuma um amplo e firme compromisso por uma mudança de paradigma nas políticas urbanísticas e de mobilidade, priorizando as deslocações a pé e em bicicleta, o transporte público e os sistemas de mobilidade partilhada, em detrimento da utilização do automóvel individual.

O sector da mobilidade e transportes em Portugal é caracterizado por uma forte dependência do uso do automóvel particular – é o segundo país da União Europeia com maior proporção de quilómetros-passageiro feitos de carro. As emissões do sector dos transportes em Portugal vêm a aumentar continuamente desde 2013, e este passou em 2019 a ser o sector com maior peso (28%) nas emissões do país. O transporte rodoviário é responsável por mais de 95% das emissões do sector e também a principal causa da poluição do ar nas cidades. Portugal tem, também, dos piores indicadores de segurança rodoviária dentro das localidades da União Europeia.

Para cumprir as metas e os compromissos de Portugal em matéria de redução de emissões de gases com efeito de estufa, o Estado terá que criar formas de alterar radicalmente as escolhas modais dos portugueses nesta década. A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 determina que, até 2030, pelo menos 10% das viagens nas cidades portuguesas sejam feitas em bicicleta. Terá de haver mais de meio milhão de ciclistas quotidianos em Portugal até ao final da década. Alcançar estes objectivos requer um grande esforço e investimento colectivo do Estado para uma profunda mudança da mobilidade urbana em Portugal.

A Assembleia da República produziu e aprovou, nos últimos anos, vários diplomas e resoluções para protecção dos utilizadores vulneráveis e de apoio aos modos activos. Com a Lei de Bases do Clima, a legislação portuguesa determina que o Estado tem o dever de promover a mobilidade activa. Ainda assim, e apesar dos apelos permanentes da sociedade civil, individual e colectivamente, o Estado português não agiu ainda de forma decisiva na mobilidade activa e sustentável.

Este manifesto estabelece a visão de um Portugal mais saudável, seguro, resiliente e sustentável que põe a mobilidade activa – incluindo a bicicleta – no topo da pirâmide da mobilidade, e propõe os passos prioritários à escala nacional para alcançar esse objectivo.

Investimento estratégico

Para Portugal conseguir alterar drasticamente o paradigma de mobilidade nesta década, o Estado terá que investir fortemente na mobilidade activa. Não será possível Portugal cumprir os objectivos a que se comprometeu em acordos internacionais e nacionais sem uma inversão das prioridades de investimento na área da mobilidade e transportes. Alcançar estes objectivos, para que a utilização da bicicleta como modo de transporte em Portugal convirja com a média do resto da Europa, requer um grande esforço e investimento do Estado numa profunda transformação da mobilidade urbana.

1. Assegurar 20% do orçamento dos transportes para a mobilidade activa

Só com uma transferência de recursos para os modos activos de deslocação, em detrimento do modo rodoviário, se poderá aumentar a importância destes na distribuição modal actual em Portugal. Pelo menos 10% do orçamento total do Estado para o sector dos transportes deverão ser destinados à mobilidade em bicicleta, e outros 10% ao modo pedonal. Esta é também uma recomendação do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. A República da Irlanda, por exemplo, com metade da população portuguesa, investe anualmente 360 milhões de euros nos modos activos (1 milhão de euros por dia).

2. Cumprir as metas da ENMAC 2020-2030

O próximo Governo deverá comprometer-se em cumprir as metas estabelecidas na Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030, incluindo as metas intercalares para 2025. Para isso, deverá urgentemente criar a liderança política e alocar os recursos humanos e financeiros necessários.

3. Complementar o investimento em transporte público com acessos seguros em mobilidade activa

Os esforços para melhorar os transportes públicos devem ter em consideração que as condições de acessibilidade a pé e em bicicleta às estações e interfaces são tão importantes como a própria rede de transporte público. Os investimentos em transportes públicos deverão ser articulados e complementados com investimentos nos modos activos, criando redes de percursos seguros a pé e em bicicleta em redor das estações e interfaces e estacionamentos para bicicleta – de curta e longa duração – nas interfaces de transportes públicos, com prioridade para as tuteladas pelo Estado.

Uma nova cultura de mobilidade

Para alterar comportamentos não basta alterar o meio físico. O Estado terá também que trabalhar em programas e campanhas para alterar a cultura de mobilidade instituída em Portugal. A escola será um espaço central deste esforço, mas não basta. Terão que existir campanhas nacionais dirigidas a públicos diferenciados para informar e aumentar a consciência das mudanças necessárias e das possibilidades para as fazer. Não só para aumentar a aceitabilidade da opinião pública em relação ao restabelecimento de equilíbrios e favorecimento dos modos alternativos ao automóvel, mas também novas políticas fiscais penalizando modos de transporte mais nocivos.

4. Garantir a segurança e conforto em torno das escolas

Promover a criação, em todo o território nacional, de áreas envolventes de escolas seguras e menos poluídas, limitando o tráfego de atravessamento e as velocidades permitidas. Melhorar as acessibilidades a pé e em bicicleta aos estabelecimentos de ensino, promovendo hábitos de mobilidade saudáveis e sustentáveis por parte da comunidade escolar. As envolventes das escolas deverão ser exemplos de excelência para o espaço público que desejamos.

5. Educar para a mobilidade sustentável

Alterar comportamentos irá requerer um enorme esforço por parte do Estado e das organizações educativas para informar, educar e consciencializar para as consequências das nossas escolhas de modo de transporte. Estes esforços terão que começar nas escolas com a integração da mobilidade sustentável nos currículos escolares, programas para ensinar a usar bicicleta, organizar “pedibus”, “comboios de bicicleta”, etc. Mas também terão que incluir campanhas extensivas e continuadas para a população em geral, com informação de forma factual dos malefícios sociais e para a saúde pública do uso do automóvel e as vantagens de usar transportes públicos e modos activos sempre que possível.

Uma agenda urbana

As cidades com as inerentes densidades mais elevadas são os locais em que os modos alternativos ao automóvel poderão ser usados com vantagem para todos. Perante os desafios que Portugal tem pela frente, as cidades não podem continuar a ser parte do problema, mas sim parte da solução. Nesse sentido, deverá haver um programa nacional dedicado exclusivamente à melhoria da qualidade de vida nas cidades portuguesas. É fundamental que voltemos a habitar zonas urbanas mais compactas, com reabilitação de centros urbanos, investimento em escolas, transportes públicos, espaços públicos seguros, inclusivos e aprazíveis, locais de desporto e lazer, etc. Estes temas, apesar de serem directamente da responsabilidade das autarquias, deverão ter uma tutela da administração central de forma a fomentar políticas de humanização e qualidade de vida nas cidades.

6. Incentivar planos de mobilidade urbana sustentável (PMUS)

Criar o enquadramento legal e apoiar os municípios no desenvolvimento e implementação de PMUS, seguindo os princípios de priorização dos modos activos e colectivos de deslocação para a redução da dependência do automóvel. Condicionar o acesso dos municípios a verbas do Orçamento do Estado e de Fundos Europeus na área da mobilidade aqueles que tenham em execução, ou se encontrem a desenvolver, PMUS. Promover a articulação entre os planos locais de mobilidade e os planos estratégicos nacionais de mobilidade sustentável, como a ENMAC 2020-2030, ENMAP (Pedonal) e o Plano Ferroviário Nacional.

7. Conter a dispersão urbana

Promover, nomeadamente através da revisão dos enquadramentos legal e jurídico do planeamento do uso dos solos, a contenção da dispersão urbana e o urbanismo de proximidade e multifuncional, com o propósito de melhorar a acessibilidade em modos sustentáveis e qualidade de vida das pessoas, ao mesmo tempo que se reduz a necessidade e as distâncias de deslocação.

8. Humanizar o espaço público

Reduzir o limite máximo de velocidade nas localidades para 30 km/h – conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde e a Declaração de Estocolmo assinada por Portugal. Apoiar e estimular os municípios na massificação de medidas de gestão e físicas de redução de velocidades motorizadas. Promover a criação de redes de percursos seguros para as deslocações a pé e em bicicleta nos núcleos urbanos.

Desencorajar o uso abusivo do automóvel

Todos os estudos indicam que a alteração de hábitos não se consegue apenas com incentivos. Terão que existir também penalizações a comportamentos que desejamos mudar. A transformação da frota automóvel em veículos eléctricos é demorada e largamente insuficiente para dar resposta às metas climáticas nesta década. Também não resolve muitos dos outros problemas relacionados com o uso do automóvel nas zonas urbanas – nomeadamente o consumo de espaço, congestionamentos de trânsito, sinistralidade, emissão de partículas, etc. Já é consensual que em zonas urbanas terão que existir restrições ao uso e abuso de meios de transporte movidos a combustíveis fósseis. Da mesma forma, para a promoção dos modos activos será necessário garantir a segurança em espaço público, fiscalizando comportamentos de risco.

9. Zonas de restrição ao uso do automóvel

Apoiar os municípios com mais de 50 mil habitantes na implementação de Zonas de Emissão Reduzidas (ZER) nos centros urbanos antes de 2024, e incentivar a criação de zonas residenciais de baixo tráfego. Iniciar estudo para a implementação de tarifação do uso do automóvel na entrada das cidades. Parte dessas receitas deverão ser dirigidas para a melhoria da infraestrutura para a mobilidade activa, mas também dos transportes públicos, incluindo transportes a pedido em meios rurais.

10. Aumentar a fiscalização de comportamentos de risco

Aumento da fiscalização rodoviária (estacionamento ilegal, velocidade excessiva e outros comportamentos de risco) para aproximar a “taxa de fiscalização” aos níveis europeus. Associado a isto, ter um “simplex” da autuação, que finalmente acabe com a ineficácia actual que permite que tantos não paguem multa ou não percam pontos na carta de condução. Além das receitas directas pelas multas, isto traz ganhos indirectos ainda maiores, pois reduzirá a sinistralidade rodoviária, libertará espaço público, etc.

MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta | Dezembro 2021

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