Pela sua dimensão, longevidade, custos e impactos na vida de milhões de portugueses, o Plano Ferroviário Nacional deverá estar integrado com, e contribuir para, as estratégias de mobilidade sustentável em todas as escalas territoriais. Lamentavelmente, a proposta colocada em consulta pública ignora por completo a intermodalidade da ferrovia com a mobilidade activa. A intermodalidade da bicicleta, em particular, com o comboio constitui uma ferramenta fundamental para substituir viagens quotidianas em automóvel, reduzir emissões e melhorar a qualidade de vida nas cidades.

A MUBi congratula-se que Portugal tenha um plano para a infraestrutura ferroviária nacional e do material circulante para fazer face às necessidades emergentes da mobilidade sustentável e ser um pilar do combate às alterações climáticas. Mas lamentamos profundamente que a intermodalidade da ferrovia com a mobilidade activa seja totalmente ignorada neste plano.

Recomendações Estratégicas

Um Plano Ferroviário Nacional, pela sua dimensão, longevidade, custos e impactos na vida de milhões de portugueses ao longo de muitos anos, deverá obrigatoriamente articular-se com outras estratégias nacionais de transportes e mobilidade sustentável, nomeadamente a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030[1] e a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Pedonal 2030, com os planos locais de mobilidade, com instrumentos estratégicos nacionais em outras áreas, nomeadamente ambiental e climática, saúde pública e desenvolvimento sustentável, e integrar desígnios de instrumentos internacionais relevantes como os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda Urbana das Nações Unidas.

Um Plano Ferroviário Nacional só poderá ser verdadeiramente bem sucedido se estiver  integrado em, e contribuir para, estratégias de mobilidade sustentável em todas as escalas territoriais. A MUBi recomenda que o desenvolvimento do Plano Ferroviário Nacional promova a realização e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável por todos os municípios com estações ferroviárias nos seus territórios, promovendo, por exemplo, a eliminação ou redução do estacionamento automóvel junto às estações ferroviárias em áreas urbanas densas, a acessibilidade em modos activos e transportes colectivos e a intermodalidade do comboio com estes.

A intermodalidade da bicicleta, em particular, com o comboio constitui uma ferramenta fundamental para substituir viagens em automóveis, pois permite conjugar as vantagens de ambos os modos de transporte, criando sinergias que permitem ao utilizador alcançar a flexibilidade, conforto e fiabilidade necessárias. O transporte ferroviário  e a mobilidade activa complementam-se em contexto urbano e suburbano se permitir uma interface simples, rápido e eficaz de regime de intermodalidade.

Na Área Metropolitana de Lisboa (2,9 milhões de habitantes), por exemplo, apenas 26% das pessoas residem a menos de 10 minutos a pé de uma estação ferroviária. Mas este valor quase triplica, para 72%, quando se considera um raio de 10 minutos em bicicleta das mesmas estações. 

Recomendações Genéricas 

De acordo com a Federação Europeia de Ciclistas (ECF, na sigla em inglês), da qual a MUBi é membro, as condições para um utilizador de bicicleta usar a ferrovia com sucesso são[2]:

  1. Informação específica e clara relativa à possibilidade de transportar a bicicleta em viagens, quer nos de divulgação e informação em meios online quer nas estações; E ter informação e sinalética para facilitar a identificação dos percursos ou vagões para transporte de bicicletas;
  2. Preços e bilhética por viagem desde início e fim de percurso, e não por linha de comboio;
  3. Possibilidade de garantir reserva de lugar para bicicleta e lugar para passageiro perto das bicicletas nas carruagens; 
  4. Acessibilidade no acesso às estações, dentro das estações, nos apeadeiros, nas portas de acesso aos comboios com as bicicletas;
  5. Capacidade de albergar bicicletas de todos os tipos e tamanhos, inclusive ter capacidade de facultar tomadas para carregar bicicletas elétricas, ter espaço de manobra dentro das carruagens, ter rampas para bicicletas especiais como cargo ou tandem;
  6. Existência de parques de estacionamento de bicicletas nos principais interfaces e estações de comboio;
  7. Criação de sinergias de bilhética e protocolos com sistemas de bicicletas partilhadas para clientes que viajem sem bicicleta para destinos onde existam bicicletas partilhadas.

Recomendações Operacionais 

As recomendações operacionais da MUBi para o Plano Ferroviário Nacional, que deverão ser rapidamente implementadas, passam assim por:

  • Investir no conforto e segurança do espaço público em torno das Estações, porque é fundamental fomentar a intermodalidade entre a Ferrovia e a mobilidade activa.
  • Estacionamentos para bicicletas nos interfaces, seguros e cobertos: nos grandes interfaces intermodais haver parques de estacionamento para bicicletas cobertos, vigiados e seguros, que permitam deixar a bicicleta em movimentos pendulares[4].
  • Melhorar a acessibilidade no acesso aos comboios, por quem transporte uma bicicleta. Nomeadamente nos interfaces garantir a circulação e acesso por rampas em escadas, devidamente enquadradas para permitir espaçamento no manuseamento das mesmas.
  • Bilhética para bicicletas: Possibilidade universal nos comboios de longo curso de reservar/comprar bilhetes de viagem para utilizador e bicicleta, sendo passível de escolha de lugares na carruagem mais perto da bicicleta; não deixar ao arbítrio dos revisores a possibilidade de a transportar no comboio.
  • Possibilidade de levar bicicletas em TODOS os comboios, inclusive os Alfas: acabar com serviços de comboios onde não é possível levar bicicletas, todos os comboios devem ser capacitados para poderem transportar bicicletas. Não faz sentido um utente da ferrovia ter de fazer um downgrade para um Intercidades quando quer levar a sua bicicleta própria para o destino – neste momento só é possível fazer Braga-Faro sem ligações usando o Alfa que não permite o transporte da bicicleta.
  • Mais lugares de bicicletas nas carruagens: todos os comboios devem ter carruagens com espaço dedicado para transporte de bicicletas, e nestas um mínimo de 8 lugares para bicicletas “normais” – não considerando dobráveis, ou cargo/tandem – seguindo assim as diretivas da UE[3].
  • Um sistema de bicicletas partilhadas dentro dos grandes interfaces intermodais, com tarifas diária e mensal, que permita ao utilizador da rede ferroviária servir-se da bicicleta como meio de transporte na cidade de destino. A CP deverá operar um sistema de bicicletas partilhadas nacionais, a exemplo da OV-Fiests operada pela Nederlandse Spoorwegen dos Países Baixos.
  • Categorias de bicicleta: equiparar o transporte de bicicletas dobráveis como bagagem pessoal, como uma mala;
  • A ergonomia dos equipamentos dentro dos vagões/carruagens serem adaptados para permitirem espaçamento para levar as bicicletas. Preparar o material circulante para ter espaços para estas bicicletas de pequenas dimensões distintos dos espaços de bicicletas, para facilitar os movimentos pendulares;

Rui Igreja, dirigente da MUBi, disse que «é necessário que seja fácil e seguro combinar o uso da bicicleta com o comboio, como acontece em outros países europeus. A bicicleta aumenta significativamente a área de captação das estações, e esta é uma das principais soluções para reduzir a elevada dependência do uso quotidiano do automóvel em Portugal. Pela sua dimensão e como elemento estruturante para a mobilidade, o Plano Ferroviário Nacional não pode deixar de potenciar as sinergias com os outros modos sustentáveis.»

Notas:

[1] Resolução do Conselho de Ministros n.º 131/2019
https://dre.pt/dre/detalhe/resolucao-conselho-ministros/131-2019-123666113

[2] Bikes on trains: 7 basic services that give cyclists a smile | ECF, 2017.
https://ecf.com/sites/ecf.com/files/ECF Report_Bikes and trains- 7 basic services that give cyclists a smile.pdf

[3] Regulamento (UE) 2021/782 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, relativo aos direitos e obrigações dos passageiros dos serviços ferroviários.
https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2021/782/oj

[4] A França, por exemplo, instalará 90 mil lugares de estacionamento para bicicletas de longa duração (vigiados ou com sistema de fechadura, em local coberto) em 1133 estações de comboio, até ao final de 2023.
https://www.velo-territoires.org/actualite/2021/06/10/lom-90-000-places-de-stationnements-velo-securises-gares/

O documento completo com o contributo e recomendações para o Plano Ferroviário Nacional em consulta pública, que a MUBi entregou ao Ministro das Infraestruturas, está disponível AQUI.

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