2011 foi o ano da afirmação da bicicleta como meio de transporte em Lisboa e, até, no resto do país. O ano em que, efectivamente, se tornou normal ver pessoas a circularem de bicicleta na cidade, nas suas deslocações e com as suas roupas quotidianas.

Ao longo de todo o ano sucederam-se eventos, nasceram iniciativas e observaram-se fenómenos associados à mobilidade em bicicleta (mobici – nova palavra a sugerir para o dicionário de língua portuguesa). Com uma intensidade nunca vista nas últimas 5 ou 6 décadas, a bicicleta mostrou-se aos portugueses, pelos portugueses, nas ruas, nas lojas, nas festas e nos meios de comunicação deste país.

A conjuntura que atravessamos pode ser encarada como um catalisador desta adesão à mobilidade em bicicleta. Mas, por outro lado, também pode ser um obstáculo a muitas iniciativas, obras e negócios que terão como público alvo uma população com um poder de compra cada vez menor. Adicionalmente, à crescente escassez de recursos juntam-se a falta de coragem política e o vazio de estratégia para a mobilidade do estado português em geral, intercalados pontualmente por algumas acções fugazes, aqui e ali, que oscilam entre a propaganda “verde” e programas de mobilidade sustentável envergonhados.

Há cada vez mais quilómetros de ciclovias, ciclofaixas, ecopistas e afins que, à partida, seriam um sinal de mudança nas mentalidades das entidades do estado. Infelizmente, a maior parte destas vias são acções isoladas, sem uma estratégia de mobilidade definida a nível local, regional ou nacional. Raramente servem como ligação entre dois pontos essenciais da vida dos cidadãos e, consequentemente, dificilmente poderão servir, no curto prazo, para melhorar a mobilidade urbana em bicicleta. Além disso, frequentemente, estão mal construídas e oferecem uma falsa sensação de segurança. Resta-lhes o mérito, inegável, de terem posto mais gente na bicicleta, mesmo que, por agora, apenas como instrumento de lazer, mas potenciais utilizadores da bicicleta como meio de transporte num futuro próximo.

A Massa Crítica / Bicicletada é, provavelmente, o evento de mobilidade urbana em bicicleta com mais expressão em Portugal. Já acontece em Lisboa há 8 anos e, em 2011, aconteceu também em Almada, Aveiro, Barreiro, Braga, Coimbra, Guimarães, Porto, Sines e Seixal. Além deste crescimento para outras cidades do país, é de assinalar o crescimento do número de participantes no Porto, em que os habituais já são várias dezenas, e as várias centenas (entre 4 e 5) de participantes que formaram a MC de Setembro em Lisboa, estabelecendo um novo recorde e que geraram, de facto, uma massa crítica de pessoas a celebrarem a bicicleta!

Em 2011, além da MC, surgiram muitos outros encontros/passeios de bicicleta, com variadíssimos temas e motivações. Os nus foram proibidos em Lisboa mas, mesmo assim, aconteceu a 1ª Word Naked Bike Ride em Portugal, em luta por um melhor ambiente. O movimento Cycle Chic também cá chegou, num primeiro passeio molhado mas, nem por isso, menos elegante. Este deu lugar a um outro, seco, e ambos foram bem sucedidos, levando a vaidade dos ciclistas para além da performance desportiva das suas gingas.

Outra iniciativa, já com algum tempo e, também, com alguma distribuição geográfica pelo país (Lisboa, Porto e Seixal), é a Cicloficina. Trata-se de uma oficina comunitária que disponibiliza o know how de alguns curiosos e profissionais a todos os utilizadores de bicicleta. Mas, é muito mais do que isso, pois é também ela um ponto de encontro da comunidade. E, em 2011, a de Lisboa e do Seixal conquistaram um espaço fixo. Mais ainda, a da capital ganhou uma periodicidade semanal, melhorando o acolhimento e o serviço prestados. Perderam em mobilidade mas ganharam em qualidade.

Diferentes grupos de amantes das bicicletas têm surgido, como que em representação de cada “tribo”. Dando, assim, origem a outros tipos de eventos, para além dos passeios. Multiplicam-se os encontros de pasteleiras em locais como Murtosa, S. Brás de Alportel, Viana do Alentejo, Setúbal. Outros organizam brunches em jardins ou pic-nics com corridas no velódromo da Malveira.

Outro reflexo desta tendência é o surgimento de novas actividades económicas orientadas para a mobici. Desde iniciativas individuais de alguns utilizadores que criam acessórios como bonés ou bolsas para ferramentas, até novas lojas que vão surgindo, ou outras que se adaptam a esta nova tendência, adicionando aos seus produtos e serviços para os ciclistas desportivos, outros mais virados para os ciclistas urbanos. Estas lojas procuram, hoje, servirem de núcleos aglutinadores da comunidade, promovendo iniciativas como a Feira de Bicicletas Usadas ou as sessões de cinema.

Precisamente, um dos eventos anuais associados à bicicleta é o Bicycle Film Festival que, em 2011, teve a sua 3ª edição em Portugal. É um conceito criado em Nova Iorque e que celebra a bicicleta em todas as suas vertentes. É, talvez, o evento em Portugal que mais une toda a comunidade ciclística, desde os “radicais” das fixies ou do downhill, aos artistas do bmx e do freeride, até àqueles para quem a bicicleta é, simplesmente, o seu modo de vida.

Esta variedade de “tribos”  também se reflecte na proliferação de blogues no ciberespaço. Cada uma com a sua abordagem, o seu tema e a sua localização geográfica. Mais uma vez, se destaca a força que o movimento tem ganho na cidade invicta, onde já existe uma pequena mas crescente comunidade a desenvolver um trabalho de campo, de forma a tornar a cidade mais amiga de quem utiliza a bicicleta como transporte.

E, dos bytes da Internet para o papel da imprensa foi um passo grande mas natural. Assim, além de algumas revistas de bicicletas já existentes no mercado, mas que se dedicavam, quase em exclusividade à vertente desportiva, existe agora uma que está orientada para quem faz da bicicleta um meio de transporte e um modo de vida. A revista B – Cultura da Bicicleta surgiu há poucos meses nos quiosques, com grande aceitação e, por enquanto é apenas trimestral mas, esperemos que, com a tendência que se verifica actualmente, venha a ser mensal em tempos vindouros.

Por outro lado, também os meios de comunicação tradicionais começam a dar destaque ao fenómeno da bicicleta enquanto meio de transporte. Foram frequentes as reportagens na rádio e na televisão sobre o tema da bicicleta, para além da volta a Portugal em bicicleta. Entrevistas com utilizadores frequentes, outros que queriam começar e, ainda, outros que ajudavam a começar.

Finalmente, 2011 foi o ano do ressuscitar da MUBi. Esta já existia desde 2009, mas estava adormecida, indefinida nos seus objectivos concretos e nos seus membros executivos. Mas está cá para ficar. Das acções com mais visibilidade, lançou o projecto Bike Buddy, que gerou enorme notoriedade e já pôs muita gente a pedalar no seu dia-a-dia, e desenvolveu a campanha Rodas de Mudança, que mostrou que a bicicleta está acessível a qualquer um.

Para 2012, a MUBi, tem vários programas na calha. O Desafio Modal, que permitirá uma comparação efectiva entre diferentes meios de transporte urbano, e as acções de promoção e educação para o uso da bicicleta irão continuar. Além destes, prosseguirão outros projectos menos visíveis, com objectivos de mais longo prazo, mas nem por isso de menor importância. A título de exemplo, apenas estes: as alterações para um código da estrada mais amigo da mobici; a colaboração com outras ONGAs associadas ao tema da mobilidade, no âmbito do projecto VoCA – Volunteers of Cycling Academy; a monitorização das actividades das entidades oficiais relacionadas com este tema.

A profecia dita que em 2012, ocorrerá o fim do mundo. Na MUBi, preferimos acreditar que será apenas o fim do mundo tal como o conhecemos. O princípio do fim de uma mobilidade baseada no automóvel, e a passagem para uma mobilidade mais amiga do ambiente e mais sustentável, para termos cidades mais humanas e saudáveis. A bicicleta terá, sem dúvida, um enorme papel a desempenhar nessa mudança. E a MUBi quer, com a colaboração de todos, tornar essa (r)evolução mais fácil e equilibrada.

Boas pedaladas para 2012!

One Response to 2011, bicicletas ao poder!

  1. Gonçalo diz:

    Boa! Se 2011 foi um ano de afirmação, 2012 será sem dúvida um ano de forte consolidação do que até agora foi feito. [Pequena nota: “mobici” é terrível! 🙁 Novilíngua?]

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