Por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa (CML), a MUBi foi convidada a conhecer e a dar o seu parecer sobre o plano alterações no eixo Marquês-Entrecampos, que a CML pretende implementar em Março de 2013.

No que diz respeito aos ciclistas, a proposta que a CML nos deu a conhecer para o eixo Marquês-Entrecampos passa por implementar uma rede de percursos cicláveis baseados em corredores cicláveis segregados de largura entre 1,25m-1,50m. Nesses percursos, o ciclista perde o direito de usar as vias onde passa o trânsito motorizado, sendo obrigado a circular
exclusivamente nos corredores segredados previstos.

A MUBi congratula a CML por assumir a intenção de tornar mais segura e confortável a circulação de peões e ciclistas naquele eixo vital do centro da cidade. No entanto, esta proposta acabará por impor aos ciclistas problemas importantes que eles não tinham antes. De seguida explicamos porquê.

1 – A MUBi assinala que a circulação no eixo Marquês-Entrecampos coloca actualmente obstáculos importantes aos peões e ciclistas, sendo o tráfego automóvel intenso e a velocidades elevadas em muitas artérias deste eixo um dos principais problemas. A MUBi congratula, pois, a CML por assumir a intenção de tornar mais segura e confortável a circulação de peões e ciclistas naquele eixo vital do centro da cidade.

2 – Relembramos que, em reunião a 21 de Janeiro a MUBi e outras associações de defesa dos ciclistas e peões [1], a CML, representada por José Sá Fernandes, vereador dos Espaços Verdes, e Fernando Nunes da Silva, vereador da Mobilidade, acordaram quatro princípios que consideraram da maior importância para o futuro da mobilidade na cidade de Lisboa.

O primeiro desses princípios é precisamente:

“Ponderar seriamente a redução da quantidade e velocidade dos automóveis nas ruas e bairros de Lisboa, antes de decidir pela segregação da bicicleta.”

3 – Da análise da proposta da CML para o eixo Marquês-Entrecampos, é evidente que, com a excepção da Av. Fontes Pereira de Melo, todas as vias por onde passam os corredores cicláveis planeados pela CML:

  • já têm intensidade/velocidades de tráfego motorizado compatíveis com a partilha da via com a bicicleta, tornando desnecessário o recurso à segregação da bicicleta;

  • ou, não cumprindo actualmente as condições acima, poderiam facilmente cumpri-las através de medidas de acalmia de tráfego veicular motorizado, planos de redução de volume ou de velocidade de tráfego nesta zona, e hierarquizando

    ruas para diminuir a atractividade de algumas para atravessamento automóvel, evitando mais uma vez o recurso à segregação da bicicleta. No entanto, nenhumas dessas medidas constam na proposta actual da CML, salvo raras excepções (as únicas excepções são algumas ruas que serão pedonalizadas, e o prometido melhoramento das travessias de peões nas Av. Fontes Pereira de Melo e Saldanha).

Por outras palavras, o princípio mencionado acima e acordado pela CML a 21 de Janeiro não está a ser aplicado na proposta para o eixo Marquês-Entrecampos.

4 – Em vez de aplicar o princípio acima mencionado, a solução proposta pela CML obriga os ciclistas a circularem em corredores segregados. Essa segregação impõe aos ciclistas problemas importantes que não existem na situação actual, em que o ciclista pode circular livremente nas vias de pelo menos 3m de largura partilhadas com tráfego automóvel:

Situação actual

Velocípedes partilham vias de pelo menos 3,00m com restante tráfego

Situação planeada pela CML

Velocípedes circulam em corredores segregados de 1,25m-1,50m

Quando há carros estacionados na berma, há espaço para o ciclista se posicionar a distância suficiente de forma a prevenir colisões com portas que abram inesperadamente. Não há espaço para tal. Colocando muitas vezes os ciclistas em situação de perigo ao alcance da abertura de portas e manobras repentinas de estacionamento.
Há espaço para ciclista ultrapassar outro ciclista. Não há espaço para tal. O confinamento do ciclistas a este espaço reduzido ignora a diversidade de ciclistas e a sua capacidade de cada um deles ter uma velocidade diferente.
Há espaço para ciclista andar com bicicletas mais largas ou atrelados. Não há espaço para tal. Tal como no resto da Europa este tipo de veículo é, e será, cada vez mais frequente.
Há espaço para ciclista circular a par com alguém com quem quer comunicar em trânsito ou que quer proteger e orientar melhor. Não há espaço para tal. Esta possibilidade (circular a par) já foi anunciada como prestes a ser publicada no Código da Estrada.
Há espaço para ciclista se desviar para a esquerda ou para a direita se houver buracos ou outros obstáculos na via, ou se alguém se atravessar à nossa frente (peões, veículos, cães, etc). Não há espaço para tal. A zona reservada para ciclovia será a que acumulará mais detritos, buracos, sumidores, etc.
Há espaço para o ciclista ver tudo o que é importante ver.

Há espaço para o ciclista pare ser visto por quem precisa que o veja, com a antecedência necessária.

A largura da ciclovia e o seu posicionamento reduzem a visibilidade do ciclista, tendo ele menos tempo para reagir, assim como os condutores e os peões com quem ele se cruza.
Quem está na estrada não precisa de prestar atenção a mais do que aquilo que já presta, pois os ciclistas vêm dos mesmos sítios que o resto dos veículos. Tal não acontece, pois os ciclistas surgem em locais e de direcções diferentes daquelas que os condutores dos outros veículos esperam. Ao obrigar o ciclista a encostar-se à direita a ciclovia coloca o ciclista no angulo morto em relação ao trafego motorizado.
Em plano e a descer, o ciclista pode atingir e manter, de forma segura e confortável, velocidades de 20 a 40 km/h. Ciclista obrigado a circular a cerca de 10km/h para assegurar segurança.

5 – Melhorar as condições para os ciclistas não é criar-lhes problemas que eles não tinham antes. Pelas razões acima, a MUBi apela à CML que assuma o seu compromisso e aplique o princípio que os seus representantes assumiram recentemente perante a

MUBi e outras associações.

No caso concreto do eixo Marquês-Entrecampos, tal passa por não optar pela segregação da bicicleta na grande maioria dos troços do percurso ciclável identificado pela CML. Nesses troços, os planos de segregação devem ser substituídos por medidas eficazes de acalmia de tráfego e soluções que limitem a permeabilidade das ruas e de outros acessos aos automóveis e as maximizem aos velocípedes.

Citando o parecer que a Dutch Cycling Embassy emitiu em Setembro, a convite da CML:

“Lisboa está desenhada em favor do automóvel e remete para plano secundário os peões e ciclistas” [2]

Segregar a bicicleta em vez de reduzir e acalmar o tráfego significa manter este paradigma insustentável e ignorar que o verdadeiro problema da cidade não é a falta de ciclistas, é o volume e a velocidade excessivos do tráfego automóvel.

Este parecer da MUBi foi enviado a 19/Fev/2013 ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, com conhecimento aos Vereadores da Mobilidade e Infra-estruturas Viárias de Lisboa, Ambiente Urbano, e Espaços Verdes e do Espaço Público de Lisboa, assim como à Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. A MUBi não recebeu qualquer resposta até ao momento.

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