A MUBI e a ZERO apresentaram queixa da Câmara Municipal de Lisboa ao Ministério Público por estar a remover uma infraestrutura da Rede Ciclável Principal com o propósito de devolver 70 lugares de estacionamento. Esta acção viola o Plano Director Municipal (PDM), contradiz o MOVE 2030 e afasta-nos dos Compromissos internacionais firmados pela autarquia.

Diariamente, passam pela ciclovia da Avenida de Berna quase 700 pessoas em bicicleta, incluindo muitas crianças a caminho da escola. Se esta for removida, haverá uma ruptura na Rede, hoje contínua, colocando-se em perigo quem hoje circula de bicicleta e reduzindo-se a viabilidade deste modo de transporte em Lisboa. Tudo isto está a ser feito com o propósito de devolver estacionamento onde este não é permitido, não é necessário e não é recomendado, pois prejudicará a velocidade comercial dos autocarros, numa via estruturante da rede de corredores dedicados à circulação de transportes públicos rodoviários, em implementação.

É com estupefação e tristeza que estamos a assistir a uma obra inadmissível em pleno século XXI, quando a emergência climática é amplamente reconhecida e as externalidades do abuso da utilização do automóvel privado, irrefutáveis. 

A Câmara Municipal de Lisboa (CML), sem “ouvir as pessoas” e antes de concluir a auditoria à rede ciclável que ela própria encomendou, iniciou uma obra que “prevê a anulação da ciclovia unidirecional no lado norte da Avenida de Berna, em toda a sua extensão, e no lado sul, entre o Largo Azeredo Perdigão e a Avenida da República“, por onde passam quase 700 pessoas em bicicletas por dia. Incrédulos assistimos agora ao avançar da obra de remoção da ciclovia, apesar de uma petição com mais de 1000 assinantes, dos protestos ocorridos e de toda a polémica que esta obra, ilegal e em contramão, tem gerado.

Manifestação ‘Melhorar não é Remover’, 17 de Outubro de 2023

Assim e na sequência de:

e de

  • manifestações públicas cabalmente ignoradas, face à continuidade dos trabalhos de remoção da ciclovia na Avenida de Berna que podemos observar;

A MUBI e a ZERO decidiram apresentar queixa da CML ao Ministério Público.

Acção Popular, entregue no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a 25 de Outubro de 2023

A Acção Popular deu entrada a 25/10/2023 no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Esta acção judicial surge em resposta à obra em curso, a qual viola várias normativas essenciais para Lisboa. Primeiramente, a obra viola o PDM de Lisboa (aprovado em 24 de julho de 2012 pela Deliberação n.º 47/AML/2012), ao desconsiderar as diretrizes que proíbem  estacionamento em vias de 2º nível sem regulamentação específica. Além disso, a intervenção contradiz o MOVE 2030 – Visão Estratégica para a Mobilidade em Lisboa (aprovado em Assembleia Municipal a 28/01/2020), a qual indica a Av. de Berna como um dos Eixos de Hierarquia Principal da Rede Ciclável e define metas para a mobilidade sustentável na cidade, das quais a cidade se tem vindo a afastar. Contradiz também o Manual do Espaço Público desenvolvido pela própria CML e que reúne ‘recomendações e boas práticas’ a seguir por aqueles que ‘têm como missão e responsabilidade a construção e a gestão do espaço público’, no que aos espaços de circulação em bicicleta  se refere.

Esta obra de ‘anulação’ parcial da ciclovia da Av. de Berna contraria ainda as boas práticas e recomendações da União Europeia e afasta-nos dos Compromissos assumidos pela Cidade (Missão Cidades – 100 cidades com impacto neutro no clima e inteligentes até 2030 e European Covenant of Mayors for Climate and Energy).

Ao beneficiar o estacionamento automóvel em prejuízo da mobilidade em bicicleta e da fluidez do transporte público, a obra em causa contribui para uma cidade onde o tráfego e o congestionamento têm vindo a aumentar, a par com a poluição atmosférica – a qual recentemente valeu ao Estado Português uma condenação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo reiterado incumprimento dos limites à concentração de dióxido de azoto (NO2) em Lisboa Norte, Porto Litoral e Entre Douro e Minho. Além disso, esta intervenção afasta-nos do objetivo de criar uma cidade justa, saudável e segura para todos os utilizadores do espaço público.

Face ao exposto, a MUBI e a ZERO reivindicam:

  • A reposição imediata dos balizadores, para que aquele espaço não volte a ser ocupado com estacionamento tarifado, nem seja invadido por estacionamento indevido/gratuito.
  • Que a CML tome provisoriamente medidas mitigadoras que reduzam os conflitos naquele espaço-canal, tais como:
    • remoção de postes de sinalização;
    • implementação de uma solução junto às faixas BUS (em frente dos abrigos) semelhante à que está implementada na Alameda das Linhas de Torres;
    • alteração do pavimento nas zonas de passeio que se inserem no referido espaço-canal, tornando claro para quem circula em bicicleta que devem circular devagar, dando prioridade ao peão;
    • reconstrução de rampas e de pavimentos que tenham sido fresados.
  • Que a CML dê início a um processo participativo amplo, envolvendo especialistas de diferentes áreas e convidando a população e as associações, assim como instituições adjacentes à avenida, a tomar parte no processo de co-criação de uma Futura Avenida de Berna, segura e confortável para todos

Numa altura em que temos que reduzir, todos os anos até 2030, pelo menos 5% das emissões de CO2 no sector dos transportes, aquilo que se observa é o seu aumento. A emissão de gases com efeito de estufa associados ao consumo de combustíveis rodoviários cresceu 6,2% desde 2019. Os transportes representam mais de 30% do total de emissões do país, cabendo a todas as entidades públicas com responsabilidades na promoção da mobilidade sustentável, entre as quais se encontra a CML, contribuir para a inversão desta tendência.

Para que tal aconteça é imperativo que se abstenham de desenvolver acções que promovam o uso do automóvel particular e, pelo contrário, envidem todos os esforços para garantir as melhores condições de circulação ao transporte público e aos modos activos.

Pessoa em cadeira de rodas a utilizar a ciclovia, 25 de Outubro de 2023

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