É com espanto que acabamos de receber um email da Câmara Municipal de Lisboa a comunicar que irá iniciar a obra que “prevê a anulação da ciclovia unidirecional no lado norte da Avenida de Berna, em toda a sua extensão, e no lado sul, entre o Largo Azeredo Perdigão e a Avenida da República“.

Mais uma vez a Câmara Municipal de Lisboa caminha em contramão do que é necessário fazer pela qualidade de vida dos Lisboetas e de todos aqueles que entram na cidade diariamente. Contra os acordos europeus que assinou e a saúde de todos, o Executivo continua a privilegiar medidas que aumentam a poluição, tornam a cidade mais insegura e prejudicam todos sem exceção. Não por acaso, o consumo dos combustíveis fósseis atingiu o valor mais elevado de sempre e em Lisboa o tráfego no início de setembro superou em quase 50% o tráfego registado no mesmo período em 2019.

Foto: Miguel Baptista | MUBi

Houve promessas de ouvir os Lisboetas e de tomar decisões participadas. No entanto, continuam a ser tomadas medidas sem ouvir ninguém e anunciadas poucos dias antes, com projectos que ninguém conhece e vagas promessas que ninguém sabe quando serão cumpridas. Distribuir um folheto com a frase “construção da ciclovia da Av de Berna” quando no fundo se “prevê uma anulação” de parte dela, é desonesto e fomenta a desconfiança nas instituições. Essa opção ignora uma petição com cerca de 1000 subscritores (online + papel), muito mais do que a petição contrária a pedir a reposição de lugares de estacionamento automóvel. Ignora também as mais de 600 passagens dárias, incluindo Comboios de Bicicletas que levam crianças para a escola. Para além disso, colide com as boas práticas e recomendações europeias, as quais há várias décadas aconselham a redução do estacionamento, como uma das formas mais eficazes de mitigar os impactos negativos do tráfego motorizado.

Lisboa continua a navegar à vista no que diz respeito ao planeamento da mobilidade. A tomar decisões que contradizem os discursos e promessas, sem qualquer sentido de estratégia nem ideia para o futuro (ver por exemplo a decisão desastrosa do restabelecimento da Av da Liberdade). A péssima qualidade do ar e o ruído infernal continuam a tomar conta da cidade, e em particular da Avenida de Berna, ultrapassando quase sempre os indicadores que a Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula como aceitáveis para a saúde humana. Com tendência a agravar quando a CML continua a aumentar o espaço dedicado ao automóvel na cidade e a ignorar a generalização da velocidade de 30km/h, decidida em Assembleia Municipal e recomendada pela OMS.

Como afirma a petição, a Av. de Berna, tal como está, precisa urgentemente de ser repensada — é um esgoto de tráfego a céu aberto ao lado de áreas residenciais e de equipamentos de educação e culturais extremamente importantes para a cidade. Faltam-lhe árvores, os passeios não são dignos de uma avenida com estas funções e a ciclovia actual precisa claramente de ser melhorada – não é aceitável que o desenho desta a leve a invadir  constantemente os passeios e é potencialmente perigosa nas intersecções. 

Tudo isto justifica a requalificação da Av. de Berna, não a eliminação de um troço de ciclovia que liga uma importante Universidade à rede de ciclovias da Cidade, criando-se uma ruptura na rede numa das poucas zonas de Lisboa onde esta é já contínua. Mais concretamente, desconecta-se a ciclovia da Av. da República (e todas a que esta se interliga) da rede ciclável recentemente construída na Praça de Espanha, a qual por sua vez se prolonga pela Av. dos Combatentes, pela Rua Prof. Lima Bastos até Sete Rios e pela Rua Dr. Nicolau de Bettencourt (lateral à Gulbenkian). Em suma, rompe-se com a Rede Ciclável de Hierarquia Principal da Cidade, numa área com enorme apetência para o uso da bicicleta, repleta de hospitais, universidades, bibliotecas, museus e interfaces de transportes e onde o sistema de bicicletas GIRA está bem sedimentado.

A eliminação da ciclovia não se traduz na melhoria das condições dadas aos peões, nem na melhoria dos transportes públicos, servindo unicamente para aumentar o número de lugares de estacionamento automóvel numa zona que já tem ampla oferta. 

A redução dos atropelamentos, da poluição e do ruído, a melhoria da qualidade de vida dos Lisboetas e a esperança num planeta viável implica requalificar a Av. de Berna para as pessoas.

O futuro passa por melhorar o que está feito, não por recuar.

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