O consumo de combustíveis fósseis rodoviários em Portugal atingiu o valor mais elevado de toda a última década. A redução de carga fiscal em vigor, de cerca de 30 cêntimos por litro, terá custado perto de dois mil milhões de euros aos cofres do Estado, só nos últimos doze meses. A medida, para além de contraditória com os objectivos de descarbonização, é ainda altamente desproporcional do ponto de vista social, beneficiando a parte da população com maior poder económico, que consome mais combustíveis.

A crise climática, resultante das emissões e do aumento de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2), tem vindo a provocar a subida da temperatura global.  Para evitar consequências catastróficas para o planeta e a humanidade, são urgentes medidas drásticas de redução de emissões para conter esta subida abaixo de 1,5 °C.

Estamos em 2023, o actual Governo de Portugal inclui um Ministério do Ambiente e da Acção Climática, neste se enquadra uma Secretaria de Estado da Mobilidade Urbana, e há quatro anos foi aprovada uma Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável. Em quatro anos, pouco ou nada se concretizou desta estratégia que, entretanto, o Governo propôs fundir com a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Pedonal, apresentada preliminarmente em 2022.

Simultaneamente, desde 2021, o Governo português continua a favorecer as pessoas que mais usam veículos consumidores de produtos petrolíferos, com a redução ou suspensão de impostos e taxas sobre os combustíveis fósseis rodoviários, traduzindo-se num “desconto de 30 e 28 cêntimos por litro” de gasolina e gasóleo, respectivamente, no mês de Junho.”

Com estas medidas indiscriminadas de apoio aos combustíveis fósseis, só nos últimos doze meses, o Estado português terá tido uma perda de receita fiscal de cerca de dois mil milhões de euros. Quase o dobro do orçamento do Fundo Ambiental para 2023 (1200 milhões de euros), que foi o maior de sempre, e quatro vezes o que tem sido o investimento anual em transportes públicos. Acresce que o decil da população com maior poder económico beneficia oito vezes mais das reduções de impostos nos combustíveis que o decil mais pobre. As pessoas mais ricas, em média, conduzem mais, muitas vezes sozinhas, carros mais potentes e poluentes.

Portugal está obrigado, pela Lei de Bases do Clima e por disposições da União Europeia, a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55% até 2030, face aos valores de 2005. O sector dos transportes em Portugal é o sector com maior, e crescente, peso nas emissões nacionais, representando já perto de um terço das emissões totais do país. Portugal é o segundo país da Europa com maior taxa de utilização do automóvel particular, e os transportes rodoviários são responsáveis por mais de 95% das emissões do sector.

O próprio governo diz que “o consumo de combustíveis nos primeiros quatro meses de 2023 atingiu o recorde da última década. O consumo de combustíveis rodoviários em Abril, último mês com dados publicados, regista um crescimento de 19% face ao período homólogo. Além disso, a tributação dos combustíveis em Portugal está significativamente abaixo da média ponderada da Zona Euro: 16% no gasóleo e 11% na gasolina” (Portal do Governo, 2023 [1]).

Este subsídio indirecto à utilização generalizada de veículos com motores de combustão é ainda mais injusto pois distribui o apoio indiferenciadamente a pessoas e empresas que, efectivamente, dele possam precisar, mas também a quem conduz carros de elevada cilindrada que consumam combustíveis fósseis. Esta distribuição irreflectida de recursos escassos é uma tremenda injustiça que contraria o princípio de equidade e de defesa do bem comum. Face ao exposto, é imperativo que esta redução do imposto sobre produtos petrolíferos seja eliminada e, porventura, a taxa do mesmo seja aumentada, de forma a recuperar a receita perdida para que também ajude a começar a investir e fomentar verdadeiramente o uso de modos sustentáveis.

As políticas de mobilidade em Portugal têm falhado, como mostram claramente os resultados dos Censos 2021. Só com outro tipo de intervenção seremos capazes de alcançar as metas climáticas desta década. Não só a tributação sobre os combustíveis fósseis rodoviários deve ser revista, como são precisas medidas equitativas que conduzam a uma significativa redução do uso do automóvel, em especial nas cidades, em simultâneo com a definição de programas que favoreçam a transição das pessoas e das empresas para uma mobilidade mais eficiente e sustentável. É urgente a implementação de programas de encorajamento à utilização da bicicleta e transportes públicos por particulares, a conversão de frotas de empresas, ou apoios à micrologística.

Estamos em 2023, há já 74 anos Aldo Leopold (1949) escreveu ”que a terra é uma comunidade, eis o princípio básico da ecologia, mas que a terra deva ser amada e respeitada é já uma extensão da ética” [2]. A MUBi considera que estes princípios basilares devem guiar os esforços do governo, se o Ambiente e a Acção Climática são efectivamente prioridades, bem como a justiça social. Se assim é, até quando continuarão as práticas regulamentares a contradizer os discursos dos decisores políticos?

Referências

[1] Portal do Governo (2023), “Gasolina e Gasóleo com desconto de 30 e 28 cêntimos por litro em Junho”, disponível em: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=gasolina-e-gasoleo-com-desconto-de-30-e-28-centimos-por-litro-em-junho

[2] Leopold, A. (2022 [1949]). Pensar como uma montanha. Maldoror.

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