A proposta de actualização do PRR Português continua ter pouco financiamento dirigido às recomendações do Plano RePowerEU da Comissão Europeia relativamente à mobilidade sustentável em geral e mobilidade activa em particular. Sem uma profunda revisão desta actualização, mais uma vez, o PRR continuará sem apoios à mobilidade activa.

Nos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) iniciais, em 2021, os Estados Membros em conjunto alocaram mais de 1700 milhões de euros – aproximadamente 4 euros per capita – a investimentos na mobilidade em bicicleta. O PRR português destinou zero à mobilidade activa. A todos os níveis de investimento, o Governo português é o que menos tem investido per capita na utilização da bicicleta como modo de transporte em toda a Europa – 10 vezes menos que países como a Roménia e a Bulgária, e 120 vezes menos que a República da Irlanda[1].

As estratégias nacionais para a mobilidade em bicicleta e mobilidade pedonal (ENMAC 2020-2030 e ENMAP 2030) estão sem recursos, muito atrasadas e a progredir a um ritmo extremamente lento. É hoje evidente que o Governo falhará largamente as metas intercalares da ENMAC para 2025. E, sem uma clara alteração da urgência, real e simbólica, na liderança política da Estratégia, também as suas metas finais para 2030 e o objectivo de convergir com o resto da Europa, na utilização da bicicleta como modo de transporte, estão altamente comprometidas.

A actualização do PRR é justificada com a necessidade de reduzir rapidamente a dependência dos combustíveis fósseis. Esta necessidade urgente foi precisamente o motivo para a criação do Plano RePowerEU[2] e a respectiva linha de financiamento, que forma parte da dotação financeira da actualização do PRR. Neste Plano, a Comissão Europeia indica que a mobilidade é um dos sectores chave para poupanças energéticas significativas a curto prazo, sendo a redução do uso do automóvel particular e transferência para os transportes públicos e modos activos essencial para a redução do consumo de petróleo.

No entanto, o Governo ignorou estas recomendações. A proposta de actualização do PRR, tal como a sua versão inicial, exclui os modos de transporte energeticamente mais eficientes e ambientalmente sustentáveis – o andar a pé e a bicicleta – e a intermodalidade destes com os transportes públicos.

Perante a desilusão desta actualização do PRR, reiteramos algumas das propostas que fizemos em 2021, em conjunto com a Federação Europeia de Ciclistas e a Federação Portuguesa de Ciclismo. Reforçamos a exigência que o Governo compreenda a magnitude dos desafios que temos pela frente e implemente políticas que atribuam claros apoios à mobilidade sustentável e mobilidade activa em particular. Está na hora de criar possibilidades de os modos mais sustentáveis terem claras vantagens relativamente aos veículos movidos a combustíveis fósseis, nesta actualização do Plano de Recuperação e Resiliência. 

Especificamente, a MUBi recomenda que o PRR contemple:

1. Programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável.

  • Conforme a Comissão Europeia recomenda n’O Novo Quadro da UE para a Mobilidade Urbana’[3] e, formalmente, na Recomendação (UE) 2023/550[4], o Governo deverá criar um programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS)[5] por parte dos municípios portugueses, com um gestor do programa a nível nacional. Este programa deverá conter medidas jurídicas, financeiras e organizativas para ajudar a reforçar as capacidades e implementar PMUS em conformidade com as orientações europeias, com prioridades claras para favorecer soluções sustentáveis, incluindo transportes públicos, colectivos e activos, e a mobilidade partilhada.

2. O investimento mínimo de 10% do capital investido no sector dos transportes deve ser alocado à mobilidade em bicicleta.

  • Investir na promoção da mobilidade em bicicleta através de campanhas inseridas num esforço mais alargado de mudar a cultura de mobilidade em Portugal, incluindo apoio de iniciativas educacionais e motivacionais para o uso utilitário da bicicleta abrangendo adultos trabalhadores e crianças no âmbito da mobilidade escolar.
  • Promover a implementação de alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança dos modos activos, nomeadamente pela implementação de legislação nacional para que as vias urbanas tenham limite de velocidade 30 km/h e apoio aos municípios para que implementem alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança e conforto dos modos activos. 
  • Investir em redes de infraestrutura para a bicicleta ao nível urbano, peri-urbano, intermunicipal e regional.
  • Promover a implementação de soluções de multimodalidade e mobilidade partilhada, como parqueamento para bicicletas nos terminais de transporte público, em particular nas estações de comboio, e sistemas de bicicletas partilhadas.
  • Apoiar a implementação de zonas de emissões reduzidas em centros urbanos.

3. Incentivos à utilização e aquisição da bicicleta. 

  • Programa de incentivo a movimentos pendulares casa-trabalho em bicicleta, a exemplo dos que já existem em vários países europeus. Este tipo de programas tem um grande potencial na transferência modal efectiva do automóvel para a bicicleta nas deslocações quotidianas, e comprovadamente resulta num excelente retorno positivo para a sociedade, nomeadamente em termos de saúde pública e também, e por conseguinte, de redução do absentismo laboral. Comparando com os programas de outros países, a MUBi estima que seriam necessários cerca de 6 milhões de euros – o equivalente a dois dias de redução do ISP – para o primeiro ano de um programa deste tipo em Portugal.
  • Reforçar os Incentivos à aquisição de bicicletas. Onde têm sido aplicados, em particular os apoios à compra de bicicletas eléctricas, têm sido muito bem sucedidos no aumento da procura de mercado e tornado a utilização da bicicleta mais atractiva para novos grupos da população. 

Na União Europeia, a utilização da bicicleta gera anualmente mais de 150 mil milhões de euros de benefícios sócio-económicos[6], ao mesmo tempo que suporta 650 mil postos de trabalho[7]. Contribui para a saúde pública e provou ser um meio de transporte extremamente acessível e resiliente durante a pandemia de COVID-19. Projectos relativos à mobilidade em bicicleta permitirão alocar fundos e executar investimentos de forma relativamente célere. 

Por último, com a Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente, da Comissão Europeia, a reafirmar o objectivo de redução de 90% das emissões do sector dos transportes até 2050[8] e o Conselho Europeu e a Lei de Bases do Clima a imporem a meta de redução nas emissões de pelo menos 55% até 2030, não se vislumbra nenhuma forma de alcançar tais objectivos sem uma significativa redução do uso do automóvel particular e um aumento substancial no uso da bicicleta. Ora, contrariamente a estes objectivos, a presente actualização do Plano de Recuperação e Resiliência – sem investimentos propostos para a mobilidade activa – continua a destinar investimento a infraestruturas rodoviárias.

Desta forma não vamos lá!

O documento completo que a MUBi enviou ontem ao Governo, com as recomendações para a actualização do Plano de Recuperação e Resiliência.

[1]  European Cyclists’ Federation (2022), The state of national cycling strategies in Europe (2022) – 2nd edition.

https://ecf.com/system/files/The_state_of_national_cycling_strategies_second_edition_2022.pdf

[2] Comissão Europeia, Plano REPowerEU, 18 de Maio de 2022.

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=COM:2022:230:FIN

[3] Comissão Europeia, O novo quadro da UE para a mobilidade urbana, COM(2021) 811 final, 14-12-2021.

[4] Recomendação (UE) 2023/550 da Comissão de 8 de março de 2023 sobre os programas nacionais de apoio ao planeamento da mobilidade urbana sustentável [notificada com o número C(2023) 1524].

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32023H0550

[5] Eltis, Mobility Plans.

https://www.eltis.org/mobility-plans

[6] European Cyclists’ Federation (2018), The benefits of cycling: Unlocking their potential for Europe.

https://ecf.com/sites/ecf.com/files/TheBenefitsOfCycling2018.pdf

[7] UN Environment (2017), Riding towards green economy: Cycling and green jobs – A joint report by UN Environment-WHO-UNECE.

[8] Comissão Europeia, Estratégia de mobilidade sustentável e inteligente – pôr os transportes europeus na senda do futuro, COM/2020/789 final, 9 de Dezembro de 2020.

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52020DC0789

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