A Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, da Assembleia da República, colocou em discussão pública os diplomas referentes à criação da Lei de Bases do Clima. Mais info aqui. A MUBi enviou um documento, com propostas e recomendações, a seguir resumido.

Enquadramento

O sector da mobilidade e transportes é a partir de 2020 o sector com maior peso nas emissões em Portugal, e assim se manterá no futuro antevisível. É o sector que mais dificuldades tem tido em responder às necessidades de redução de emissões e estas têm vindo a aumentar desde 2013. Os transportes rodoviários são responsáveis por 95.4% (16.4 Mt CO2eq em 2018) das emissões do sector e também pela falta de qualidade do ar nas nossas cidades (a poluição atmosférica mata cerca de 6.000 pessoas em Portugal anualmente).

O sector da mobilidade em Portugal é caracterizado por uma forte dependência da utilização do automóvel, sendo o segundo país da União Europeia que mais utiliza este modo, o segundo país com menor percentagem de utilização de transportes colectivos e um dos países em que menos se utiliza a bicicleta.

A bicicleta é o modo mais rápido em meio urbano até aos 5 km, e a bicicleta eléctrica até aos 10 km e competitiva com o carro até aos 20 km. É o modo de transporte energeticamente mais eficiente e, a seguir ao caminhar, o que menos emissões produz. Um estudo recente, com dados de cidades em toda a Europa, mostrou que os ciclistas produzem menos 84% de emissões de CO2 relacionadas com a mobilidade do que os não ciclistas, e que quem mudou do carro para a bicicleta reduziu as suas emissões em 3,2 kg de CO2 por dia.

Recomendações

A estratégia e políticas ambientais e climáticas e de descarbonização da mobilidade não podem estar focadas apenas nas soluções tecnológicas, como a autonomização e electrificação do transporte motorizado individual, ou nas plataformas de automóveis partilhados, e continuar assentes na prevalência do automóvel como meio de transporte primordial. Esta seria uma opção redutora e uma visão restrita e ineficiente de uma solução que carece ser mais alargada.

O consenso crescente no mundo civilizado apoia uma estratégia alicerçada em políticas e medidas combinadas de redução da necessidade e distância de viagens, transferência modal do transporte motorizado individual para os modos mais sustentáveis e com menor intensidade carbónica e energética por passageiro-quilómetro (modos activos e transporte público), e, também, inovação e desenvolvimento tecnológico nos modos motorizados – a designada abordagem A-S-I: Avoid-Shift-Improve.

Abordagem A-S-I. [Fonte: H. Dalkmann, 2014: Urban Transport and Climate Change]

A estratégia para o futuro da mobilidade e transportes em Portugal não pode, ainda, estar desligada de outros problemas e desafios fundamentais da sociedade, nomeadamente ao nível da saúde pública, qualidade do ar, sinistralidade rodoviária, congestionamentos das cidades, eficiência e qualidade do uso do espaço urbano, entre outros

A discriminação negativa da bicicleta nas políticas nacionais e locais tem sido prejudicial para o país. A bicicleta deve passar a ter condições vantajosas relativamente ao transporte motorizado individual, e em particular aos veículos movidos a combustíveis fósseis, nos diversos instrumentos de planeamento, legislativos, económicos e fiscais, e ser valorizada pelos seus amplos benefícios ambientais, sociais, económicos e de saúde.

Os investimentos em transportes públicos deverão ser acompanhados pela promoção da multimodalidade, de forma a que a mobilidade activa seja também a coesão alimentadora de um sistema de transportes públicos bem sucedido. Este sistema de transportes públicos bem sucedido requer complementaridade com os modos activos, designadamente através de áreas de captação de acesso às estações com boas acessibilidades pedonais e infraestrutura ciclável num raio de 5 a 8 km de cada estação ferroviária ou interface de transportes públicos, o que não se verifica no território português.

Reduzir as emissões do sector dos transportes requer um plano objectivo, sistematizado, transversal e ambicioso de profunda mudança da cultura da mobilidade, e que deve incluir uma gama abrangente de políticas públicas que conduzam a uma significativa menor utilização do automóvel privado. 

Apoiar e estimular o aumento dos níveis de utilização da bicicleta é uma maneira fácil e económica de contribuir para esse objectivo. Bicicletas convencionais, de carga, com assistência eléctrica e sistemas de bicicletas partilhadas, por si e em combinação com o transporte colectivo, têm o potencial de contribuir para a necessária transferência modal do transporte motorizado individual.

A MUBi apresentou à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território as seguintes propostas e recomendações para a Lei de Bases do Clima:

Enquadramento

  • Em linha com o que defende o Parlamento Europeu, meta de redução de emissões de Gases com Efeitos de Estufa de pelo menos 60% até 2030, em relação a 2005, sem contabilizar sumidouros.
  • Antecipação do ano de neutralidade climática.
  • Incorporar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
  • Estabelecer um prazo urgente para aprovação dos planos sectoriais, com metas definidas, prazos de execução e programas de dotação orçamental, e que estes deverão resultar de amplos e transparentes processos de discussão pública e procurar consensos alargados da sociedade.
  • Promover a criação do enquadramento legal, fiscal e tecnológico para uma internalização justa e eficaz dos custos externos dos transportes.

Agenda urbana

  • Implementação de políticas e medidas de urbanismo de proximidade (p.ex: “Cidade de 15 minutos”), que devem passar a integrar os instrumentos de ordenamento do território e planos e regulamentos municipais.
  • Promover a implementação de alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança dos modos activos, nomeadamente medidas de acalmia de tráfego, zonas 30 e de coexistência, e que tornem os espaços urbanos mais convidativos a andar a pé e em bicicleta.
  • Promover a implementação de zonas de emissões reduzidas em centros urbanos e de eco-bairros protegidos de tráfego de atravessamento e velocidades elevadas (“low-traffic neighbourhoods“).
  • Determinar a redução do limite máximo de velocidade nas localidades para 30 km/h.

Mobilidade sustentável

  • Promover a mudança da cultura da mobilidade em Portugal, para uma mobilidade mais activa e saudável, amiga do ambiente e do clima e social e economicamente sustentável.
  • Determinar que pelo menos 10% do capital investido no sector dos transportes em Portugal seja alocado à mobilidade em bicicleta, e também pelo menos 10% à mobilidade pedonal. O actual Programa do Governo na República da Irlanda já define a atribuição de 20% do orçamento do estado dedicado aos transportes para o modo pedonal e em bicicleta (10% a cada, num total de 360 milhões de euros por ano – a Irlanda tem metade da população portuguesa). Esta é também uma das recomendações do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
  • Estes orçamentos devem ser dirigidos para a priorização e aceleração da implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2020 e a antecipação das suas metas e a implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal (ENMAP) 2020-2030, como a Assembleia da República tem vindo a recomendar ao Governo,. Devem ser implementadas urgentemente medidas, especialmente no que respeita à ENMAC, de:
    • Apoio à criação de redes de percursos seguros para a utilização da bicicleta (redes cicláveis), respeitando as melhores práticas internacionais, redistribuindo o espaço viário nas artérias urbanas e interurbanas e articulando com grandes equipamentos e interfaces de transporte público.
    • Implementação de soluções que promovam a complementaridade da bicicleta com os transportes públicos, designadamente:
      • parqueamentos para bicicleta nos interfaces de transporte 
      • e a eliminação de barreiras ao transporte de bicicletas nos transportes públicos
    • Apoios à implementação e extensão de sistemas de bicicletas partilhadas.
    • Implementação de um sistema de bicicletas partilhadas nacional ‘last mile’, a exemplo da OVFiets (NL), integrado com os transportes públicos ferroviários e rodoviários urbanos, regionais e nacionais.
    • Programa de incentivos às deslocações pendulares casa-trabalho em bicicleta.
    • Reforço dos incentivos à aquisição de bicicletas e apoio às reparações de bicicletas.
    • Programa de apoio à micrologística urbana em bicicleta.
  • Criação de um enquadramento legislativo e programas de apoio financeiro para os municípios elaborarem e implementarem Planos de Mobilidade Urbana Sustentável e Planos Municipais de Segurança Rodoviária. E condicionar os apoios financeiros à existência desses planos.
  • Promover a implementação por parte de empresas e polos geradores e atractores de deslocações de Planos de Mobilidade, e regulamentação para que empresas e centros empregadores com mais de 100 trabalhadores tenham gestores de mobilidade.
  • Determinar que legislação e regulamentação referente à eficiência energética de edifícios e planos e regulamentos urbanísticos municipais tenham em consideração as opções de mobilidade que estes promovem, com a definição de requisitos mínimos de lugares de estacionamento para bicicletas e reversão da política de requisitos mínimos de estacionamento automóvel para estabelecimento de limites máximos.
  • Promover a formação e actualização de técnicos de autarquias, institutos públicos e outros organismos do Estado nas áreas da mobilidade activa, inclusiva e sustentável e cidadania rodoviária.

Desencorajar o uso excessivo do automóvel

  • Estabelecer metas de redução da quota modal das viagens feitas em automóvel, no território nacional e nas cidades portuguesas, e criar fortes desincentivos à aquisição e utilização de transporte motorizado individual
  • Determinar a imediata eliminação de subsídios e benefícios fiscais ainda existentes a combustíveis fósseis.
  • Introdução da tributação com base na quilometragem em todo o sistema rodoviário.
  • Fomentar a implementação de taxas de congestionamento (“congestion charges”) nas cidades de maior dimensão.
  • Determinar a proibição de todo o tipo de publicidade a combustíveis de origem fóssil e a máquinas e equipamentos que consumam combustíveis fósseis, incluindo veículos automóveis, e de todo o tipo de patrocínios por parte destes. 
  • Eliminação dos lugares de estacionamento automóvel gratuitos dos serviços do Estado, em todos os níveis da administração.

Para mais detalhes, consulta o documento completo (pdf) que a MUBi submeteu à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território.

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