A operação de qualificação urbanística prevista para a Rua Dr. Mário Sacramento deverá ter por objectivos primários, a par da redução do espaço do automóvel, a diminuição do volume e velocidades do tráfego motorizado e a eliminação da funcionalidade de via de atravessamento.

De acordo com recentes afirmações do Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, o projecto de qualificação urbanística de que a Rua Dr. Mário Sacramento será em breve alvo prevê a redução do espaço do automóvel e a criação de ciclovias unidireccionais em cada sentido [1].

A MUBi congratula-se por estas palavras. É, de facto, indiscutível a premente necessidade de resgatar espaço público ao automóvel na cidade e devolvê-lo para usufruto das pessoas. Integrada numa estratégia e plano abrangente de mobilidade sustentável [2], é também fundamental a construção de uma rede estruturante de percursos seguros e directos para a utilização da bicicleta [3] no município de Aveiro, de carácter utilitário, que ligue os principais polos geradores de viagens, e indispensável ao objectivo de promover a bicicleta como meio de transporte para as deslocações pendulares e quotidianas.

Contudo, nunca é demais recordar que não é possível obter-se conforto e segurança de circulação dos utilizadores dos modos activos sem redução dos volumes e velocidades de tráfego motorizado. Estes deverão ser objectivos primários e parâmetros base de projecto da intervenção na Rua Dr. Mário Sacramento.

Empenhada em colaborar com a sociedade portuguesa e, mais concretamente, com os cidadãos de Aveiro, na construção de um futuro mais sustentável, a MUBi, através da Secção Local de Aveiro, reiterou junto da autarquia a sua disponibilidade para discutir melhores práticas ao nível de políticas, planeamento e desenho da transformação do espaço urbano para o uso seguro de todos os utentes, em especial dos mais vulneráveis, e contribuir para o desenvolvimento deste projecto ainda em construção para a Rua Dr. Mário Sacramento.

No que concerne ao aumento da segurança e conforto das pessoas que se deslocam a pé ou de bicicleta, o planeamento e projecto da intervenção de qualificação urbanística deverá adoptar a seguinte generaliza hierarquia de tomada de decisão [4, 5]:

  1. Redução do volume de tráfego motorizado

A intervenção de qualificação urbanística da Rua Dr. Mário Sacramento deverá eliminar a sua funcionalidade de via de atravessamento e distribuidora de tráfego automóvel para o centro da cidade, valorizando a sua qualidade de espaço de vivência urbana, residencial e comercial.

  1. Redução da velocidade de circulação motorizada

Toda a extensão da rua intervencionada deverá ser redesenhada para velocidades máximas de até 30 km/h, através do dimensionamento correspondente das vias de trânsito e da adopção de medidas físicas de acalmia de tráfego [6]. 

  1. Tratamento das interseções e gestão de tráfego que aumentem a segurança de todos os utentes

Uma rede ciclável, ou uma ciclovia, é tão boa quanto o seu ponto mais fraco. Os locais de maior conflito e maior risco para os utilizadores dos modos activos são as intersecções. Estas devem ser concebidas de forma a aumentar a segurança de todos os utentes, através da criação de medidas físicas que promovam uma redução efetiva da velocidade nos cruzamentos e que tornem os utilizadores vulneráveis mais visíveis, bem posicionados na via e em condições de, atempadamente, poderem estabelecer contacto visual perante os condutores motorizados.

A norte da Rua Mário Sacramento, a solução encontrada para os cruzamentos com a Rua da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários e com a rua da Praceta Rainha D. Leonor padece de graves erros, não conseguindo dar resposta aos requisitos atrás indicados e comprometendo a segurança de quem se desloca de bicicleta. A solução existente carece ser urgentemente redesenhada.

A sul, o atravessamento da Avenida Europa (antiga N-109), em direcção ao Centro Comercial Glicínias e à área residencial envolvente, a Aradas e a São Bernardo, deverá urgentemente ser alvo de grandes melhorias ao nível da segurança e conforto de peões e utilizadores de bicicleta, especialmente num local que tem sido proclamado como recentralizador do perímetro urbano da cidade. Aliás, a situação actual da referida Avenida Europa é intolerável numa cidade europeia do sec. XXI, onde o espaço pedonal e para o uso da bicicleta é inexistente, mesmo após as recentes intervenções com a construção do Supermercado Mercadona.

  1. Redistribuição do espaço afecto à circulação motorizada para a implementação de passeios mais largos e canais dedicados à circulação de bicicletas

A reorganização do espaço deverá assentar na realocação do espaço público para os peões e utilizadores de bicicleta, retirando dimensão ao canal rodoviário e nunca às zonas pedonais, já de si exíguas em alguns pontos da Rua Dr. Mário Sacramento, como mostrado na Figura 1 em Anexo. Em toda a extensão da rua, de ambos os lados, deverá ser assegurada a largura mínima de 1,5 m de passeio livre de obstáculos.

Todas as passagens de atravessamento de peões deverão estar colocadas à cota dos passeios, e reduzida ao mínimo a distância de atravessamento. Importa, com isto, privilegiar a segurança e o conforto de quem se desloca a pé e, simultaneamente, contribuir para a acalmia de tráfego e, por conseguinte, a qualidade do espaço urbano.

Caso se assuma que é politicamente inaceitável, com fundamento técnico, a redução de velocidades e quantidade de veículos em circulação para valores compatíveis com os utilizadores mais vulneráveis, e a opção recaia em vias dedicadas para a circulação de bicicletas, estas deverão estar separadas e fisicamente protegidas das vias de circulação automóvel. As soluções escolhidas deverão ser devidamente tecnicamente fundamentadas, e cumpridas as dimensões e distâncias mínimas de segurança indicadas pela bibliografia de referência sobre estas matérias [7].

Nos locais onde estes existam, as vias dedicadas à circulação de bicicletas deverão estar sempre posicionadas do lado exterior dos lugares de estacionamento automóvel (entre o estacionamento e o passeio).

Complementaridade com o transporte público

A Rua Dr. Mário Sacramento é utilizada por várias das linhas de autocarros de transporte público. A MUBi considera, portanto, que é essencial que sejam disponibilizados equipamentos adequados para o parqueamento seguro de bicicletas [8] junto das paragens de autocarro e que a intervenção reserve lugares para a instalação de docas do futuro sistema público de bicicletas partilhadas da cidade.

Como é amplamente sabido, consensual e indiscutível, a mobilidade urbana em bicicleta não traz só benefícios individuais ao utilizador na sua saúde e no combate ao sedentarismo, com reflexos directos no sistema de saúde público, sempre sob grande pressão por falta de recursos. 

O uso da bicicleta, em alternativa ao transporte motorizado individual, nas deslocações diárias nas cidades promove a cidadania, a aproximação à comunidade com incremento do comércio local, a melhoria da qualidade do ar, a redução de ruído e uma melhor qualidade de vida. Contribui para as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2030 e o objectivo de descarbonização traçada para 2050, concretizando inegáveis benefícios sociais, ambientais e de saúde pública. A bicicleta como meio de transporte urbano potencia e alavanca um sector económico com vendas e reparações, indústria, infraestruturas, turismo e serviços, capaz de criar emprego e ser determinante para o crescimento económico. Cidades mais amigas do peão e da bicicleta, são cidades mais resilientes e saudáveis, habitadas por cidadãos mais capazes, física e mentalmente, de enfrentar os desafios actuais e futuros da crise económica, social e ambiental.

[1] https://www.facebook.com/municipiodeaveiro/videos/236295427838626/ (30 de Novembro de 2020)
[2] Eltis (2020), SUMP Process.
https://www.eltis.org/mobility-plans/sump-process
[3] CROW (2017), Design Manual for Bicycle Traffic – 2nd ed.
https://crowplatform.com/product/design-manual-for-bicycle-traffic/
[4] MUBi (2014), Princípios de ação para a redução do perigo rodoviário dos utilizadores de bicicleta.
https://mubi.pt/en/2014/12/23/principios-de-acao-para-a-reducao-do-perigo-rodoviario-dos-utilizadores-de-bicicleta/
[5] IMTT (2011), Rede Ciclável – Princípios de Planeamento e Desenho.
http://www.imt-ip.pt/sites/IMTT/Portugues/Planeamento/DocumentosdeReferencia/PacotedaMobilidade/Documents/Pacote da Mobilidade/Rede Ciclável_Princípios de Planeamento e Desenho_Março 2011.pdf
[6] CCDR-N (2008), Acalmia de Tráfego, in Manual de Planeamento das Acessibilidades e da Gestão Viária.
http://212.55.137.35/CDI/00001_0341_010_G.pdf
[7] Por exemplo:
Department for Transport (2020), Cycle infrastructure design.
https://www.gov.uk/government/publications/cycle-infrastructure-design-ltn-120
NACTO (2014), Urban Bikeway Design Guide.
https://nacto.org/publication/urban-bikeway-design-guide/
[8] FPCUB (2015), Manual de estacionamentos para bicicletas.
https://www.fpcub.pt/files/2020/04/Manual_estacionamento_fpcub_v2_01-2.pdf

O documento enviado à Câmara Municipal de Aveiro está disponível AQUI.

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