As estratégias nacionais para a mobilidade pedonal e em bicicleta prevêem que, em oitos anos, a utilização destes modos constitua perto de metade das deslocações quotidianas dos portugueses. Para o país inverter o crescimento do uso do automóvel e mudar radicalmente os padrões de mobilidade urbana, é preciso que a ENMAP 2030 e a ENMAC 2020-2030 garantam a participação e articulação de todas as áreas governamentais envolvidas, a capacitação das entidades responsáveis pela execução das medidas e a formação de técnicos de organismos do Estado e das autarquias na área da mobilidade activa. E, acima de tudo, é necessário vontade, empenho e coragem do Governo e dos municípios para reduzir significativamente os recursos públicos destinados ao automóvel e investir seriamente nos modos activos de transporte, pelo menos ao mesmo nível dos outros países europeus.

A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Pedonal 2030 (ENMAP 2030) prevê que, em oito anos, a quota modal das deslocações a pé aumente de 16% para 35%. Até ao final da década, os modos activos (andar a pé e utilização da bicicleta) deverão ser a principal opção de deslocação quotidiana para perto de metade dos portugueses, tendo também em conta os objectivos da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 (ENMAC 2020-2030).

Contudo, os resultados dos Censos 2021 mostram que as políticas públicas para a mobilidade sustentável têm sido ineficazes e insuficientes para travar o crescimento do uso do automóvel. Portugal destinou mais de 30 mil milhões de euros a infraestruturas rodoviárias nos últimos 25 anos, para conseguir poupar um minuto e meio na duração dos movimentos pendulares (21.56 minutos em 1991, 19.9 minutos em 2021). As cidades portuguesas estão hoje mais congestionadas e poluídas, e a dependência do uso do carro – Portugal é o segundo país da União Europeia que mais usa o automóvel – constitui um elevado encargo para as famílias.

É essencial e urgente que o Governo e as autarquias desinvistam no automóvel, reorientando os recursos públicos para os modos mais eficientes e sustentáveis.

Estratégias sem orçamento não passam de resmas de papel

A ENMAP 2030 deverá ter todas as medidas orçamentadas, indicando claramente as fontes de financiamento previstas. Deverão ser apresentados indicadores e metas de realização e de resultado para cada uma das medidas. É desejável que, para cada medida, sejam apresentadas metas intermédias e finais. O Governo deverá proceder rapidamente também à orçamentação das medidas ENMAC 2020-2030, o que deveria ter acontecido até ao final de 2019.

A coordenação e gestão de ambas as Estratégias deverá ser assegurada por uma Estrutura de Missão. Só esta estrutura conseguirá ter a capacidade e legitimidade política para envolver activamente todas as entidades responsáveis e participantes nas medidas, tuteladas por diversos ministérios, na prossecução dos objectivos das duas Estratégias.

A equipa de coordenação terá de ter recursos humanos multidisciplinares e um orçamento próprio. Os três técnicos que a versão preliminar da ENMAP 2030 sugere para a coordenação das duas Estratégias são manifestamente insuficientes. A título de exemplo, a agência governamental Active Travel England, que coordena a execução das políticas nacionais para a mobilidade activa em Inglaterra, prevê a contratação de um staff constituído por cerca de 100 pessoas.

Para promover a alteração dos actuais padrões de mobilidade é fundamental a capacitação das entidades públicas nas áreas da mobilidade activa, inclusiva e sustentável e cidadania rodoviária. Por isso, deverá ser criado um programa, abrangente e contínuo, de contratação e formação de técnicos das autarquias, CCDR, todas as entidades responsáveis por medidas da ENMAC 2020-2030 e da ENMAP 2030 e outros organismos do Estado na área da mobilidade activa.

Urgente reduzir a insegurança rodoviária nas localidades

Portugal é dos países europeus com piores índices de sinistralidade rodoviária dentro das localidades. E só conseguiremos promover massivamente a mobilidade a pé e a utilização da bicicleta, se reduzirmos substancialmente o risco rodoviário nas áreas urbanas, o que requer forte liderança política e um leque alargado de medidas assertivas e consequentes. Isto está longe de acontecer na versão preliminar da ENMAP 2030, que precisa de ser bastante melhorada nesta área crítica. A MUBi considera, ainda, que a ENMAP 2030, tal como a ENMAC 2020-2030 em relação a utilizadores de bicicleta, deverá ter metas de redução da sinistralidade envolvendo peões: pelo menos 25% até 2026 e 50% até 2030.

Muitas áreas periféricas aos centros das cidades portuguesas são autênticas “selvas” onde é incrivelmente arriscado andar a pé e de bicicleta, até mesmo para aceder aos transportes públicos. É preciso que o Governo e as autarquias trabalhem para reduzir as desigualdades de acessibilidades e mobilidade.

No contributo enviado na fase de consulta pública, a MUBi propõe, ainda, a implementação de um Observatório da Mobilidade Activa. A recolha e monitorização de dados, como percentagens de deslocações feitas em cada modo de transporte, quilómetros percorridos a pé e de bicicleta, conforto e receio de usar os modos activos, etc., ao nível dos municípios e para vários grupos demográficos, é essencial para aferir e corrigir a execução das políticas públicas nesta área.

Rui Igreja, dirigente da MUBi, disse que “a ENMAC já está no quarto ano de implementação, mas continua sem recursos e na evidência de falhar largamente as metas intercalares para 2025, e é preocupante que a Estratégia Pedonal possa seguir a mesma linha. Não basta ao Governo dizer que quer aumentar o uso dos modos activos. É preciso que disponibilize fontes de financiamento para a ENMAP e a ENMAC e capacite as entidades responsáveis para executarem as medidas.

O documento completo que a MUBi entregou ao Governo no âmbito da consulta pública da ENMAP 2030, está disponível aqui.

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