A disparidade de género na utilização da bicicleta tem vários factores. Perante este problema, têm sido criadas iniciativas de e para mulheres, de forma a empoderá-las a integrarem cargos de gestão e decisão nas entidades que trabalham na área dos transportes, nomeadamente da mobilidade em bicicleta. O intuito final será redesenhar as nossas cidades, pensando nas necessidades das mulheres. Esta foi uma das conclusões apresentada na Velo-city Lisboa 2021, cujo mote foi a “diversidade”, e na qual as questões de género e inclusão de mulheres tiveram um papel muito realçado. 

Ester van Garderen, directora na Fietsersbond, associação de Utrecht, refere que na Holanda pedalam mais mulheres do que homens, pela infraestrutura existente.

Diversidade como mote da Velo-city 2021
Ao permitir a partilha de ideias e de boas práticas ao nível do que tem vindo a ser feito a nível europeu em matéria de mobilidade, a Velo-city desempenha um papel essencial para que decisores políticos e agentes de mudança possam cada vez mais promover a bicicleta como um meio de transporte eficiente, económico, sustentável, saudável para todos… e todas!
O mote da Velo-city 2021, que decorreu em Lisboa de 6 a 9 de Setembro, era “Cycle Diversity”, o que nos remete para a diversidade de bicicletas, de pessoas e da própria utilização da bicicleta. Os temas específicos da Conferência, pelos quais se distribuíram as apresentações, foram: diversidade de bicicletas e mobilidade urbana; economia e turismo; reestruturação das cidades e política; saúde e resiliência climática; construção comunitária, co-criação e inclusão.

Desde a fase inicial de planeamento do evento foi notório que as questões de género são um tema bastante importante para a Organização. A ECF providenciou que houvesse sempre equipas mistas em todas as fases — revisores/as dos resumos submetidos, escolha de resumos e oradores/as, painéis de apresentação mistos de homens e mulheres em todas as sessões. Também o programa incluiu sessões sobre diversidade e género — “Colmatar a lacuna de género no ciclismo”, “Outra sessão sobre género não: as mulheres na rede de mobilidade em bicicleta”, “Desenhar cidades com inclusão de género”.

Quando nos referimos a homens e mulheres enquanto utilizadores da bicicleta, é de notar que nem todos os homens são iguais a todos os homens, assim como as mulheres também diferem umas das outras. Uma jovem estudante na faculdade, uma mãe com três crianças, uma reformada, uma grávida, uma mulher que não sabe andar de bicicleta, terão necessidades diferentes. Mas pode afirmar-se com certeza que existe uma desigualdade no acesso e utilização da bicicleta por parte de mulheres, pessoas transgénero e não-binárias.

Apresentação de resultados de estudo sobre utilização da bicicleta e género, por Sara Ortiz Escalante, investigadora, feminista e activista, da Col·lectiu Punt 6 – Urbanismo Feminista Barcelona.

Razões para o gender gap na utilização da bicicleta
Nas sessões sobre género, foram apresentados os principais entraves à adesão de mulheres à utilização da bicicleta:

  • Razões históricas e culturais; a bicicleta é um modo de transporte mais associado a homens.
  • Um sector dos transportes dominado por homens — “80% das pessoas a trabalhar no sector dos transportes são homens” alertou Marianne Weinreich, da Ramboll, uma consultora de engenharia e arquitectura de Copenhaga.
  • Lacuna de dados discriminados por género no sector dos transportes.
  • Sistemas de transportes e soluções de mobilidade inconscientemente desenhados para os padrões de mobilidade, necessidades e preferências de homens.
  • A falta de infraestrutura ciclável, que é associada a insegurança rodoviária.
  • Padrões de mobilidade geralmente mais complexos que os dos homens (levar as crianças à escola, ir às compras para casa, entre outras).
  • O assédio sexual que as mulheres sofrem na rua, e também quando andam de bicicleta.
Padrões de mobilidade de homens e mulheres, apresentado por Ines Kawgan-Kagan, gestora na AEM Institute – Mobilidade Equitativa Acessível.

Iniciativas de e para mulheres
Durante o Velo-City foram apresentadas diversas iniciativas de empoderamento feminino. Destas, destacamos a Women In Cycling (WiC), uma iniciativa lançada em Fevereiro de 2021 pela Cycling Industries Europe (CIE), a ECF e outras entidades, tendo como objectivo apoiar as mulheres na conquista de mais visibilidade, impacto e lugares de liderança na indústria do sector das bicicletas. Inclui um Portal, no qual está disponível uma lista de mulheres especialistas na área das bicicletas — indústria, advocacia, investigação académica — e que podem ser convidadas a integrar painéis sobre ciclismo. Associado ao portal existe ainda um Grupo de LinkedIn, já com mais de 1000 pessoas, em que se partilham oportunidades e boas práticas.

Sessão “Outra sessão sobre género não: as mulheres na rede de mobilidade em bicicleta”, onde foi apresentada a WiC.

O que motiva a criação de uma plataforma exclusiva de e para mulheres?
O sector da bicicleta é tradicionalmente dominado por homens, desde o design às vendas e até mesmo o marketing. Como consequência, a desigualdade de género é ainda maior ao nível da tomada de decisões. Como em muitos outros sectores, as mulheres geralmente estão sub-representadas nos conselhos de administração, cargos de gestão e na criação de políticas de mobilidade.

Apresentação dos objectivos da plataforma WiC.

Inserido num vasto programa com apresentações e actividades, a WiC organizou um encontro durante a Velo-city, no qual as mulheres participantes do evento puderam conhecer-se e trocar ideias. Os homens, esses foram convidados a descansar!

Com um toque mais comunitário, foi apresentado o movimento Fancy Women Bike Ride, um passeio de bicicleta para mulheres. Iniciado na Turquia, em 2013, a organização teve como objectivo pedir à presidência da Câmara Municipal que celebrasse o Dia Mundial Sem Carros e exigir que as cidades se tornem seguras e acolhedoras para as mulheres pedalarem e interagirem. Actualmente é organizado em 30 países, e este ano decorreram os primeiros passeios oficiais em Portugal, em Lisboa e no Porto. Em 2019, também em Lisboa, por exemplo, já tinha sido criada a Femina, uma oficina comunitária de bicicletas de e para mulheres, pessoas trans e não-binárias, com o objectivo de as encorajar a ter, a reparar e a andar de bicicleta.

Desenhar cidades para mulheres é planear para todas as pessoas
A chave para aumentar o número de mulheres a andar de bicicleta parece ser a transformação das cidades no sentido de serem mais seguras e cicláveis, com infraestrutura adequada. O número de mulheres ciclistas numa cidade é um indicador da sua ciclabilidade.

Arthur Duhamel, urbanista na Copenhagenize, apresenta as percepções de mulheres em relação a diferentes tipos de infraestrutura ciclável.

Em alguns locais de Lisboa, as mulheres já representam 26% de utilizadores/as de bicicleta, o que ainda está muito aquém do ideal.
Para que cheguemos à paridade de género no uso da bicicleta, as necessidades e preferências das mulheres terão de ser tidas em consideração. Sabíamos, por exemplo, que a iluminação das ruas é a razão principal para mudança de itinerário por parte de mulheres de bicicleta? Esta foi uma das conclusões de um estudo apresentado pela Copenhagenize, uma consultora da Dinamarca. 
Ou seja, as mulheres terão de ser incluídas nos processos de transformação das cidades, desde os estudos e planeamento às tomadas de decisões, nomeadamente nas entidades e organizações do sector dos transportes.

Portugal, mobilidade em bicicleta e as questões de género
Acompanhando as tendências europeias, as questões de género têm também de estar na agenda das grandes organizações e entidades do sector dos transportes em Portugal, nomeadamente na área da mobilidade em bicicleta. Incluir mulheres nos cargos de liderança, nos grupos de trabalho, incentivar e apoiar iniciativas e cursos para mulheres, recolher dados discriminados por género, planear e construir as cidades para as necessidades deste grupo que é metade da população, é algo necessário e urgente.
Na consulta pública para a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável, há dois anos e meio, a MUBi propôs que esta incluísse a perspectiva de género. Lamentavelmente, a proposta não foi aceite. Esperamos que a mudança aconteça por Portugal, e que quem participou na Velo-city 2021 tenha percebido a importância do tema. Na MUBi vamos continuar a trabalhar para isto!

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