Praticamos a intermodalidade a caminho do Encontro Nacional pela Justiça Climática, realizado em Boticas, Vila Real, entre 5 e 7 de Abril, onde dinamizamos em conjunto com a Zero e a Aliança Ibérica Ferrocarril um painel sobre intermodalidade e a ferrovia ibérica.

O nosso trajecto teve as seguintes etapas:

  1. Lisboa – Porto, de comboio Intercidades
  2. Porto – Régua, de comboio InterRegional
  3. Régua-Boticas, em bicicleta:
    1. Estrada Nacional: 4 km
    2. Troço antiga ferrovia: 25 km + Ecopista do Corgo: 50 km
    3. Da Ecopista para Boticas – Estrada Nacional: 14 km

1.º Dia de Viagem

No dia 4 de Abril, três pessoas abalaram de Lisboa, pelas 9h da manhã, num Comboio Intercidades, com as suas bicicletas eléctricas. Para levar uma bicicleta no Intercidades é preciso comprar um bilhete com transporte de bicicleta. Ao fazê-lo, o passageiro fica automaticamente atribuído a um de dois lugares junto ao gancho que permite manter as bicicletas na vertical. A entrada de uma delas na sua carruagem ficou marcada por uma interacção desagradável com um revisor que agiu com falta de respeito, ao criticar o modo como foi colocada a bicicleta. Note-se que para colocar as bicicletas nos ganchos existentes nos comboios, é necessário alguma força e relativa destreza. Por volta das 13h da tarde, duas outras pessoas com as suas bicicletas mecânicas, aguardavam aquele grupo, na Estação de Campanhã, para entrarem juntos no Comboio Regional para a Régua. Apesar de ter uma boa área para o transporte de bicicletas com cerca de 12 lugares, estes têm igualmente ganchos para serem colocadas ao alto, o que é mais difícil com bicicletas mais pesadas, que é o caso das eléctricas. Para além disso, os comboios são muito altos o que dificulta a entrada e saída, tanto no Intercidades como no Regional.

A passagem de um comboio para o outro foi feita em tempo record, dado o atraso do Intercidades e a dificuldade em passar de uma plataforma para outra com bicicletas, dado o espaço exíguo dos elevadores, a inclinação das escadas rolantes e o peso das bicicletas. Apesar da pressa, o (re)encontro foi caloroso.

À entrada do Comboio regional, ouviu-se “Se eles conseguem, tu também consegues!” Um dos elementos do grupo interagiu com o jovem que incentivava o amigo a andar de bicicleta, “eles, que são velhos?” 🙂

Neste comboio, ao contrário do Intercidades, não é possível fazer reserva de bilhete com bicicletas. Felizmente, (ou não…), as nossas foram as únicas a ser transportadas nesta viagem.

Viva a intermodalidade!
Pernas, para que te quero?

A viagem de comboio foi muito agradável e plena de expectativa pelo solo que as nossas rodas iriam pisar. A maioria dos ocupantes do comboio tinham cabelos grisalhos, assim é a população de áreas menos povoadas e desfavorecidas em transportes públicos e oportunidades de emprego.

A dada altura, interagimos com uma senhora que nos indica que estamos a passar em Mosteiró, e assegura que dali para a frente a paisagem é muito bonita. Não desiludiu!

O belo rio Douro

Saídos no Peso da Régua, entramos na Estrada Nacional 2, onde parece prevalecer a crença de que ultrapassar é um direito constitucional!

Para aceder à antiga linha férrea, num troço inicial que não está transformado em Ecopista, tivemos a primeira dose de aventura, como demonstra a imagem abaixo.

Difícil acesso à antiga linha férrea

A travessia da ponte, na imagem seguinte, teria sido um modo muito mais seguro e fácil de entrar na antiga linha férrea. Por que motivo está esta ponte ao abandono? O direito a fruir do ambiente natural não é uma prioridade?

Ponte desactivada

Esta parte da viagem, alimentou-nos a alma com paisagens de cortar a respiração, e desafiou os nossos corpos com constantes pedras soltas e total descuido do terreno.

A grande fonte de motivação
Pedras no caminho

A certa altura, a falta de iluminação que se fez sentir,  já na Ecopista, após Vila Real, apenas foi compensada pelo maravilhamento com as nossas sombras gigantes.

As nossas sombras

Nesta segunda etapa, o som da água corrente era constante e frequente o restolhar das folhas, exacerbado pelo movimento de pássaros escondendo-se de nós nas copas das árvores. Encontrámos um sapo no caminho 🙂

2.º Dia de Viagem

A 5 de Abril, partimos de Zimão rumo a Boticas pela Ecopista do Corgo, em piso cuidado e apreciando a tranquilidade.

Ecopista
Ecopista

Tivemos a oportunidade de visitar Pedras Salgadas e de almoçar calmamente, em Vidago.

Pedras Salgadas

A chegada a Boticas só aconteceu, depois dos 14 km mais longos de sempre, quase sempre em subida pela Estrada Nacional. Felizmente, cruzámo-nos com poucos automóveis e não sofremos razias significativas, apenas nos assustamos um pouco, à passagem de um ou outro camião.

O descanso de guerreiras e guerreiros

A nossa observação da viagem teve em conta não só as condições de transporte de bicicletas no comboio, como as condições da cicloviagem; as interacções sociais (com transeuntes, passageiros, revisores, comerciantes, e entre os membros do grupo); as paisagens e seus elementos naturais e não naturais, como o edificado, os automóveis; e, claro, a experiência de pedalar (sensações físicas, emoções, pensamentos). Estamos ainda a amadurecer esta análise.

Podemos desde já, afirmar que a “legitimidade precária” (Egan & Philbin, 2021) sentida por quem usa bicicleta em meio urbano, se mantém neste cenário, no que toca às condições pouco inclusivas de transporte da bicicleta nos comboios, e ao acesso ao troço da antiga ferrovia. Neste sentido, identificamos uma marginalidade forçada, pois quem viaja de bicicleta precisa de estar disponível para enfrentar obstáculos físicos e de aceitar a incerteza do que pode encontrar pelo caminho.

Simultaneamente, esta condição gera o potencial de expandir os horizontes das nossas possibilidades, flexibilizando processos mentais e hábitos, permitindo desenvolver competências físicas e psicofísicas, bem como de auto-regulação emocional.

Conscientes da nossa natureza integrada – corpomente – temos a oportunidade de alterar as mediações das nossas relações com o meio, com os outros e com nós mesmos. Porquê? Como?

Em primeiro lugar, porque nos centramos no aqui e agora, no corpo, no movimento e na sua relação com o meio e com os outros corpos. Estamos presentes. Estamos atentos. Estamos mais próximos.

O 9.º Encontro Nacional pela Justiça Climática

De 5 a 7 de Abril, realizou-se o 9.º Encontro Nacional pela Justiça Climática, em Boticas, Vila Real. Estiveram presentes cerca de 30 colectivos, alguns de carácter nacional, outros de âmbito local, de várias localidades do país, com focos e actividades diferenciadas. Todos unidos pela defesa da vida, não só da vida humana, como da vida de todos os seres e elementos que compõem os ecossistemas de que dependemos

À chegada, houve uma amável recepção, ao longo da tarde, seguida de um jantar muito agradável, com comida vegana saudável e saborosa. Estômagos saciados, houve lugar a uma primeira partilha da parte dos anfitriões, Unidos em Defesa de Covas do Barroso, que gerou reflexões profícuas.

O dia 6 foi o dia mais preenchido, com vários painéis, ao longo do dia e programa cultural após o jantar. A MUBi, a Zero e a Aliança Ferrocarril, da Galiza, organizaram uma sessão sobre a Ferrovia e a Intermodalidade. Começamos por recordar a história da linha ferroviária do Corgo e enquadrar as condições de transporte de bicicletas, em Portugal, comparando-as com as de outros países. Completamos a apresentação com uma análise da nossa viagem intermodal até Boticas.

O último dia foi dedicado ao estabelecimento de diálogo e exploração de possibilidades de colaboração entre as várias organizações, o que considerámos muito útil e motivante. Em resumo, a nossa participação no Encontro foi profícua para estreitar relações e planear cooperação com outras organizações, particularmente as focadas na mobilidade, nomeadamente promoção do transporte público

Tivemos ainda oportunidade de dar o nosso testemunho para o vídeo sobre o encontro, realizado pelo antropólogo visual, Fernando Antunes Amaral.


Referências:

Egan, R., & Philbin, M. (2021). Precarious entitlement to public space & utility cycling in Dublin. Mobilities, 16(4), 509-523.

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