As candidaturas na tipologia de bicicletas de carga ultrapassaram esta segunda feira, 10 de julho, a verba que o Fundo Ambiental disponibilizou para o ano inteiro, e resta menos de 25% do montante disponibilizado para apoiar a aquisição de bicicletas eléctricas. A MUBi pede que o Governo acolha o crescente interesse e procura pela utilização da bicicleta reforçando o programa e avance com mais medidas de apoio para poder cumprir as metas da ENMAC 2020-2030.

Foto: Rui Igreja | MUBi

Os incentivos do Fundo Ambiental para a aquisição de bicicletas surgiram através Orçamento do Estado para 2019, depois da proposta apresentada pela MUBi aos partidos com assento parlamentar e da subsequente aprovação da medida pela Assembleia da República[1].

No quadro da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030, que tem quase todas as medidas ainda por iniciar, apesar de no próximo mês entrar já no quinto ano de implementação, os apoios de incentivo à aquisição de bicicletas têm sido extremamente bem sucedidos.

Desde a introdução da medida, a verba disponibilizada aumentou cada ano, até 2022, e os números de candidaturas têm ultrapassado largamente os apoios disponíveis. Em cinco anos, o programa de incentivo terá apoiado a aquisição de cerca de vinte mil bicicletas para uso citadino, contribuindo para a protecção do meio ambiente, a saúde e a qualidade de vida urbana. 

Este ano, em apenas seis meses, as candidaturas na tipologia de bicicletas de carga já esgotaram os apoios que o Governo atribuiu para o ano inteiro. Nas bicicletas eléctricas, no mesmo período, já mais de 75% da verba foi utilizada, antevendo-se que também seja insuficiente para o resto do ano[2].

O orçamento do Fundo Ambiental para 2023 prevê 12 milhões de euros para o Programa de Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões[3]. Contudo, através do Despacho que regulamenta o programa, o Governo só adjudicou 10 milhões à sua implementação e destinou para incentivos à aquisição de bicicletas a mesma verba que no ano anterior[4]. Às diferentes tipologias de bicicletas abrangidas (eléctricas, de carga e convencionais) coube 29% do montante total do programa, ficando os apoios a veículos automóveis eléctricos com a fatia de leão de 66%. O valor destinado aos incentivos para aquisição de velocípedes para um ano inteiro corresponde à perda de receita fiscal que o Estado tem a cada doze horas com a suspensão e redução de taxas e impostos sobre combustíveis fósseis rodoviários.

A MUBi espera que os apoios de incentivo à aquisição de bicicletas do Fundo Ambiental possam ser reforçados ainda este ano para dar resposta à procura existente, à semelhança do que aconteceu em 2021[5], e pede que o Governo acompanhe o crescente interesse e procura pela utilização da bicicleta, avançando rapidamente com outras medidas de apoio e estímulo à mobilidade activa.

A MUBi considera que os apoios à compra de bicicletas deverão passar a ser mais abrangentes e inclusivos. Defendemos, nomeadamente, que:

  • Incluam bicicletas adaptadas para pessoas com necessidades especiais, kits de conversão para bicicletas eléctricas, bicicletas em segunda mão e apoios à reparação de bicicletas.
  • A taxa de comparticipação aumente para até 75%, conforme o rendimento dos beneficiários, e também os limites máximos dos incentivos sejam revistos para valores superiores aos actuais.
  • As bicicletas convencionais, que continuam a ser a melhor opção para muitas pessoas, deverão ter uma taxa de comparticipação igual às das restantes tipologias e o limite aumentar para pelo menos 250 euros, em vez dos 20% até 100 euros actuais.
  • Deverá deixar de haver limite no número de apoios disponíveis. Cumprindo os requisitos, qualquer pessoa deverá poder obter instantaneamente o apoio, independentemente de quantas outras pessoas já tenham participado no programa.

Consideramos, ainda, que a execução do programa deverá ser melhorada, de modo a que as pessoas recebam o valor do incentivo no momento da compra da bicicleta, ou imediatamente a seguir. O custo de aquisição de uma bicicleta eléctrica ou bicicleta de carga tem um peso importante para quem deseje optar por estes modos, constituindo uma barreira importante, especialmente para os grupos de baixo rendimento. A presente situação de incerteza e de o valor do apoio só chegar, caso a candidatura seja aprovada, 4 ou 5 meses depois de se desembolsar o dinheiro, pode dissuadir a compra e utilização destes tipos de bicicletas[6].

Em França, o Governo anunciou recentemente que vai investir 2 mil milhões de euros até 2027, a que se somam 4 mil milhões das autoridades regionais e locais, correspondendo a mais de 22 euros per capita por ano, para impulsionar a utilização da bicicleta no país. O Plan Velo prevê que 500 milhões de euros sejam destinados a apoios de incentivo à compra de bicicletas. A medida pretende não só contribuir para a redução do uso do automóvel, como também impulsionar a indústria nacional de produção de bicicletas[7]. Também em Portugal, a fileira industrial da bicicleta – que produz mais unidades que qualquer outro país europeu, superou em 2022 os 800 milhões de euros em volume de exportações e mantém e gera empregos verdes[8] deveria ser encarada como uma indústria estratégica, enquadrada num ecossistema nacional de promoção de uma mobilidade saudável e ecológica.

Rui Igreja, coordenador do núcleo de políticas públicas da MUBi, disse que “a bicicleta é um modo de transporte incontornável para uma transição ecológica e energética socialmente justa. Para alcançarmos as metas da estratégia nacional para a mobilidade em bicicleta, até 2030 terá de haver mais de meio milhão de ciclistas quotidianos em Portugal, e muitas destas pessoas terão de adquirir bicicletas citadinas, de várias tipologias, novas ou usadas.

Sobre bicicletas de carga:

As bicicletas de carga, ou cargo-bikes, na designação em inglês, são velocípedes concebidos para o transporte de passageiros, normalmente crianças, e/ou de objectos volumosos até cerca de 80-100 kg. Existem diversas variantes, sendo as mais difundidas as bicicletas do tipo bakfiets, com caixa à frente do condutor, de duas ou de três rodas, e mais recentemente as longtails, com espaço para transporte na parte traseira. Actualmente, a maioria dos modelos é fornecida com assistência eléctrica. Existem, ainda, bicicletas de carga mais especializadas para a área logística, que permitem transportar até 200 ou 300 kg. 

As bicicletas de carga constituem uma opção saudável e ecológica no transporte de crianças, incluindo nas deslocações para a escola, e uma alternativa familiar à necessidade de utilização do automóvel. Estudos académicos apontam para elevadas taxas de mudança de hábitos de mobilidade e redução das deslocações feitas de carro. As bicicletas de carga contribuem, ainda, para diminuir a disparidade de género na utilização da bicicleta.

As bicicletas de carga têm, também, um enorme potencial na logística urbana e no descongestionamento das cidades. Um estudo de um projecto da União Europeia concluiu que 51% das viagens nas cidades europeias para transporte de bens feitas em veículos motorizados podem ser transferidas para bicicletas, convencionais ou de carga.

Referências

[1] European Cyclists’ Federation (2019), Success Story: MUBi unlocks Financial Incentives for E-Bikes in Portugal.
https://ecf.com/news-and-events/news/success-story-mubi-unlocks-financial-incentives-e-bikes-portugal 

[2] Fundo Ambiental, Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões 2023 – Total Candidaturas.
https://www.fundoambiental.pt/veiculos-de-emissoes-nulas-2023/total-candidaturas.aspx 

[3] Despacho n.º 3355-A/2023, de 14 de março. “Aprova o orçamento do Fundo Ambiental para o ano de 2023”.
https://files.diariodarepublica.pt/2s/2023/03/052000001/0000200011.pdf 

[4] Despacho n.º 5126/2023, de 3 de maio. “Aprova o regulamento de atribuição do incentivo pela introdução no consumo de veículos de emissões nulas no ano de 2023”.
https://files.diariodarepublica.pt/2s/2023/05/085000000/0006700073.pdf 

[5] “Fundo de incentivo à compra de bicicletas reforçado com meio milhão de euros”, Público, 24 de agosto de 2021.
https://www.publico.pt/2021/08/24/local/noticia/fundo-incentivo-compra-bicicletas-reforcado-meio-milhao-euros-1975060 

[6] Rosa Félix, Gabriel Valença e Filipe Moura (2022), O impacte dos incentivos públicos à aquisição de bicicletas elétricas na adoção do modo ciclável, 10.º Congresso Rodoferroviário Português.
https://10crp.crp.pt/wp-content/uploads/2022/07/paper_150.pdf 

[7] “Plan vélo : le gouvernement annonce un investissement de 2 milliards d’euros d’ici à 2027”, Le Monde, 5 de maio de 2023.
https://www.lemonde.fr/societe/article/2023/05/04/plan-velo-le-gouvernement-annonce-un-investissement-de-2-milliards-d-euros-d-ici-a-2027_6172122_3224.html  

[8] “Exportações de bicicletas vão ultrapassar barreira dos 800 milhões”, Dinheiro Vivo, 16 de janeiro de 2023.
https://www.dinheirovivo.pt/economia/exportacoes-de-bicicletas-vao-ultrapassar-barreira-dos-800-milhoes-15662900.html 

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