Perto de três centenas de candidatos a deputado na Assembleia da República responderam a um questionário que a MUBi enviou às forças políticas que participam nas Eleições Legislativas de 2024. Uma larga maioria defende medidas para promover a mobilidade activa e a redução do uso do automóvel particular, e compromete-se em apoiar politicamente a causa da mobilidade em bicicleta.

Poucas pessoas imaginam, mas há mais de 4500 candidatos a deputados nas próximas eleições Legislativas deste 10 de Março 2024. Cada força política, se apresentar listas completas em todos os 22 círculos eleitorais, tem 230 candidatos efectivos – correspondendo ao número de deputados na Assembleia da República.

Depois de uma oportunidade perdida para mudar o paradigma da mobilidade durante a pandemia e do governo português ter excluído a Mobilidade Activa no Plano de Recuperação e Resiliência perante uma urgência climática e com os ambientes urbanos das nossas cidades em degradação pelo cada vez mais abusivo uso do automóvel, estas eleições Legislativas de 2024 representam mais uma oportunidade para que Portugal assuma um amplo e firme compromisso por uma mudança de paradigma nas políticas de transportes e mobilidade. É absolutamente urgente priorizar as deslocações a pé e em bicicleta e o transporte público em detrimento da utilização do automóvel individual, com vista a um Portugal mais activo, saudável, seguro e sustentável. A Assembleia da República e Governo têm as competências para liderar essa mudança de paradigma na mobilidade, tornando-a uma realidade.

A MUBi enviou, no passado 8 de Fevereiro, um questionário dirigido aos candidatos a Deputado da Assembleia da República nas Eleições Legislativas do próximo dia 10 de Março, solicitando as suas visões e opiniões acerca de cinco assuntos actualmente pertinentes de políticas nacionais para a mobilidade em bicicleta, activa e mais sustentável.

Responderam ao questionário 274 candidatos, de todos os círculos eleitorais e das seguintes forças políticas: Bloco de Esquerda (BE), Livre, Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Partido Socialista (PS), Iniciativa Liberal (IL), Volt, Aliança Democrática (AD), Alternativa Democrática Nacional (ADN) e CDU – Coligação Democrática Unitária (que enviou uma resposta centralizada, vinculando todos os seus candidatos). Note-se que houve candidatos de todos os partidos democráticos com assento parlamentar a responder ao nosso questionário.

Não houve respostas de candidatos dos seguintes partidos que participam nas Eleições Legislativas de 2024: Chega (CH), Ergue-te (E), Juntos Pelo Povo (JPP), Movimento Alternativa Socialista (MAS), Alternativa 21 (MPT.A), Nova Direita (ND), Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP), Partido Trabalhista Português (PTP) e Reagir Incluir Reciclar (R.I.R.).

Notas importantes

Tendo em conta o número muito reduzido de respostas da Alternativa Democrática Nacional (3) foi excluída das análises que se apresentam de seguida.

Os resultados apresentados para a CDU correspondem à sua resposta centralizada, vinculando todos os seus candidatos.

Compromisso ‘Pedalar para Todos’
 
Juntamente com o questionário, os candidatos foram convidados a subscrever o compromisso ‘Pedalar para Todos’.
98% dos candidatos que responderam subscreveram o compromisso – a que se junta a resposta da CDU vinculando todos os seus candidatos -, declarando o seu apoio à mobilidade em bicicleta:

Comprometo-me a apoiar a causa da mobilidade em bicicleta durante o mandato parlamentar  2024 – 2027, com o objectivo de aumentar o número de pessoas que se deslocam em bicicleta e melhorar as condições para a sua utilização, em termos de segurança, infra-estruturas, acessibilidades e conveniência.

P1: Que objectivo defende para a redução da utilização do automóvel em Portugal?

Segundo os dados definitivos dos Censos 2021, divulgados em Novembro de 2022, a quota modal do uso do automóvel em Portugal era de 66%. Isso significa que dois terços dos portugueses que se deslocam diariamente para o trabalho ou para a escola o fazem de carro, seja como condutor ou como passageiro. Esse valor representa um aumento em relação aos 62% registados em 2011.

A utilização do automóvel para deslocações diárias tem implicações negativas para o ambiente, a saúde e a qualidade de vida das pessoas, contribuindo para a emissão de gases com efeito de estufa, a poluição do ar, o ruído, o congestionamento e o consumo de energia.

De acordo com as respostas a esta questão, 92% dos candidatos que responderam consideram que a redução da quota modal do automóvel em Portugal até ao fim do mandato parlamentar (2028) deve ser de pelo menos 5%, sendo que 70% defendem que a redução deve ser mesmo superior a 10%.

P2: Que prioridade atribui à adopção pelo Estado das seguintes medidas e objectivos no combate à sinistralidade rodoviária?

Em Portugal, alguém morre atropelado a cada três dias e mais de 40% dos atropelamentos são na passadeira (ANSR). Portugal é o país da Europa Ocidental com mais mortes de peões. Nos últimos cinco anos cerca de 25 mil peões foram atropelados em Portugal. De acordo com os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, os sinistros envolvendo velocípedes aumentaram 41% nos primeiros sete meses de 2023, quando comparado com o período homólogo de 2019. É essencial controlar o perigo na sua origem e o estado de direito tomar medidas para proteger os participantes mais vulneráveis no tráfego.

Visão Zero: nenhuma vida perdida no trânsito é aceitável. A abordagem é baseada no facto de que pessoas cometem erros e o actual modelo rodoviário incorpora riscos inaceitáveis – e esses erros podem ser prevenidos a partir de medidas de segurança como alterações no desenho viário e redução dos limites de velocidade.

Em cada ano, continuam a morrer cerca de 600 pessoas e milhares ficam gravemente feridas, vítimas da sinistralidade rodoviária que assola as ruas e estradas portuguesas.

A quase totalidade (91%) dos candidatos que responderam consideraram a adopção da Visão Zero como “Muito Prioritária” (71%) ou “Prioritária” (19%).

A redução para metade até 2025 das mortes e lesões graves de utilizadores vulneráveis teve uma adesão ligeiramente superior –  (97%) dos candidatos que responderam consideraram este objectivo  como “Muito Prioritário” (82%) ou “Moderadamente Prioritário” (15%).

P3: Qual a prioridade para a redução do limite de velocidade em meio urbano para 30 km/h?

Carta Aberta “Cidades Seguras para todas as pessoas”

Em 2020, Portugal assinou a Declaração de Estocolmo. Nela se estabeleceu claramente que os Estados signatários deverão priorizar a gestão da velocidade como uma intervenção chave de segurança rodoviária, em particular para “fortalecer a aplicação da lei, para prevenir o excesso de velocidade e determinar uma velocidade máxima de 30 km/h conforme apropriado nas áreas onde utilizadores vulneráveis e veículos se misturam … ”.

Em Maio de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) patrocinou a 6.ª Semana Global de Segurança no Trânsito da ONU, a destacar os benefícios de ruas de baixa velocidade em áreas urbanas e apelando aos países a limitar as velocidades a 30 km/h nas ruas partilhadas entre peões, utilizadores/as de bicicleta e o tráfego motorizado. A OMS, baseada em inúmeros estudos epidemiológicos, é muito clara: o risco de morte e ferimentos reduz consideravelmente quando as velocidades praticadas são abaixo dos 30 km/h.

Apesar de ter uma adesão inferior às duas questões anteriores, 85% dos candidatos que responderam consideraram a adopção do limite de velocidade em meio urbano de 30 km/h como “Muito Prioritária” (58%) ou “Moderadamente Prioritária” (27%).

P4: Que prioridade atribui à alocação de recursos para uma fiscalização mais intensa, diligente e consistente do cumprimento da lei, principalmente comportamentos perigosos em relação aos utilizadores vulneráveis?

(excessos de velocidade, estacionamento ilegal sobre passeios, desrespeito pelas passagens de peões/velocípedes, incumprimento das regras de ultrapassagem a velocípedes, etc.).

No relatório de 2019 Reducing Speeding in Europe do Conselho Europeu de Segurança nos Transportes (ETSC), a análise comparativa do número de multas de velocidade em 2017 colocava Portugal como um dos países com pior desempenho, com 43 multas por excesso de velocidade, por mil habitantes. Para termo de comparação, com 457 multas por excesso de velocidade por mil habitantes, os Países Baixos lideravam, seguidos da Bélgica, com 299, e a França (que, em 2016 – último ano para o qual são apresentados valores – registava 253).

Em relação à alocação de recursos para uma fiscalização mais intensa, diligente e consistente do cumprimento da lei, principalmente comportamentos perigosos em relação aos utilizadores vulneráveis – 89% dos candidatos que responderam consideraram a adopção desta medida como “Muito Prioritária” (63%) ou “Moderadamente Prioritária” (26%).

P5: Que prioridade atribui à incorporação da educação para a cidadania rodoviária e protecção dos utilizadores mais vulneráveis nos currículos escolares e na obtenção da carta de condução?

Se as metas da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa são de facto para cumprir é de antever nos próximos anos um crescimento significativo da presença e circulação de utilizadores de bicicleta nas vias públicas, em particular em meios urbanos. A Assembleia da República, através da Resolução n.º 29/2019, veio recomendar ao Governo, entre outras medidas, o reforço das acções de sensibilização sobre cidadania rodoviária e protecção dos utilizadores mais vulneráveis, nomeadamente em escolas e na obtenção da carta de condução.

Um problema chave que tem preocupado a MUBi nos últimos anos e que já mereceu um conjunto de recomendações da nossa parte – a incorporação da educação para a cidadania rodoviária e protecção dos utilizadores mais vulneráveis nos currículos escolares e na obtenção da carta de condução – 96% dos candidatos que responderam consideraram a adopção desta medida como “Muito Prioritária” (78%) ou “Moderadamente Prioritária” (17%).

P6: Qual a prioridade que atribui ao reforço substancial de recursos para as estratégias nacionais para os modos activos (ENMAC e ENMAP)?

Em Julho passado, com dois anos e meio de atraso, o Governo publicou a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Pedonal (ENMAP) 2030. Esta veio juntar-se à Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030, publicada em 2019.

A mobilidade activa fica praticamente de fora da proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024). A única rubrica destinada à mobilidade activa em toda a Proposta de Lei atribui 1 milhão de euros para a execução das duas Estratégias Nacionais (ENMAP e ENMAC) em 2024 – o que é largamente insuficiente para dar resposta às necessidades e metas das Estratégias. Como termo de comparação, 1 milhão de euros é quanto o governo da República da Irlanda, com metade da população portuguesa, decidiu investir por dia na mobilidade activa.

Outro assunto que já mereceu numerosos comunicados da MUBi – a preocupação que as duas Estratégias Nacionais (ENMAP e ENMAC) não estão orçamentadas nem têm tido um financiamento digno. 95% dos candidatos que responderam que atribuir um reforço substancial de recursos para a ENMAC e ENMAP é uma medida  “Muito Prioritária” (69%) ou “Moderadamente Prioritária” (26%).

P7: Que prioridade atribui à implementação das seguintes medidas de promoção da mobilidade em bicicleta e mais sustentável?

Com apoio efectivo, a utilização da bicicleta – como modo de transporte em si mesmo e como estímulo à intermodalidade em combinação com outros modos de transporte sustentáveis – poderá contribuir significativamente para a redução da utilização excessiva do automóvel e para a descarbonização do sector da mobilidade e transportes.

Estas 4 medidas todas elas são consideradas prioritárias, mas é o requisito de que administração pública e instituições do Estado liderem pelo exemplo no incentivo e promoção da mobilidade activa e sustentável, que é considerado mais prioritário – 93% dos candidatos que responderam consideraram a adopção desta medida como “Muito Prioritária” (69%) ou “Moderadamente Prioritária” (24%).

P8: Que montante considera apropriado para o investimento anual do Estado na mobilidade em bicicleta por habitante?

O relatório “Making the Economic Case for Cycling“, IDTP de 2022, indica que a relação custo-benefício média de investimentos em infra-estruturas para bicicletas é de 1:13. Os benefícios quantificáveis anuais da utilização da bicicleta na União Europeia (UE) estão avaliados em mais de 150 mil milhões de Euros (perto de 1% do PIB da EU). No lado oposto, os custos externos dos transportes na União Europeia totalizam anualmente um bilião de Euros, maioritariamente pagos pela sociedade, correspondendo a perto de 7% do PIB dos 28 Estados Membros, e sendo o transporte rodoviário o principal responsável, com ¾ do total.

Apesar das diferenças marcadas entre partidos políticos, praticamente 70% dos candidatos que responderam pensam que o Estado deveria investir anualmente pelo menos 10 Euros ou mais na mobilidade em bicicleta per capita. 43% afirma, mesmo, que esse valor deve ser superior a 20 Euros por ano por habitante.

Questões pessoais

Por fim, perguntámos aos candidatos com que frequência utilizam a bicicleta como modo de deslocação e se utilizariam mais frequentemente se as condições para tal fossem mais seguras e convenientes.

5% dos candidatos que responderam à questão declaram utilizar diariamente a bicicleta como modo de transporte, e 19% várias vezes por semana.

Quase 90% dos candidatos afirmam que, com melhores condições de segurança e conveniência para a utilização da bicicleta, passariam a usá-la mais ou muito mais frequentemente. A expressão da resposta é imagem da alta predisposição existente na sociedade para adopção de hábitos de mobilidade mais saudáveis e sustentáveis, sendo para isso fundamental uma mudança de paradigma nas políticas de transportes e mobilidade que coloque os modos activos – incluindo a bicicleta – no topo da pirâmide da mobilidade.

Barómetro do apoio à mobilidade em bicicleta e sustentável

Com base nas respostas dadas pelos candidatos às questões sobre políticas nacionais, criámos um barómetro que mostra o apoio de cada força política à mobilidade urbana em bicicleta e sustentável:

As pontuações foram obtidas utilizando a seguinte metodologia:

  1. Nas questões foram atribuídos 4 pontos à opção mais favorável à mobilidade activa, 3 pontos à segunda mais favorável, 1 ponto à terceira mais favorável, e 0 pontos à opção desfavorável.
  2. Foi obtida a média das respostas dos candidatos de cada força política para cada uma das questões, tendo as respostas “Não sabe / Não responde” sido descartadas do cálculo, e finalmente a escala foi transformada numa escala de 0 a 100.

Atenção: Alguns dos partidos como a IL, Volt e AD tiveram respostas que poderão ser pouco representativas com 8, 8, 7 respostas respectivamente e a CDU decidiu responder por todos os seus candidatos.

Conclusões

Inspirados e tomando como exemplo as transformações e liderança política que assistimos em algumas cidades e alguns países europeus, a MUBi e a sociedade civil tem vindo a apelar a uma mudança de paradigma nas políticas de mobilidade, com um maior investimento e apoio efectivo e consequente da parte das entidades públicas na mobilidade activa, incluindo a bicicleta, em detrimento do transporte motorizado individual. Esta necessidade urgente de alteração de paradigma, bem patente em relatórios da União Europeia e em repetidas notícias nos Órgãos de Comunicação Social portugueses, faz com que os candidatos a representantes dos portugueses nos órgãos de decisão política não possam estar alheios a ela. E nas respostas a este inquérito nota-se que há uma consciência teórica do problema para a vasta maioria dos candidatos. Esta consciência que é necessário uma mudança também se pode observar nos programas eleitorais de alguns partidos e que a MUBi acabou de analisar e publicar.

Congratulamo-nos com a larga participação de candidatos a Deputado neste questionário da MUBi. O firme apoio transversal aos vários quadrantes políticos, expresso nas respostas dadas, a políticas e medidas conducentes ao aumento da utilização da bicicleta e dos modos activos e mais sustentáveis e à redução da excessiva utilização do automóvel, poderia dar-nos alento e optimismo para que haja consciência que verdadeiras mudanças na mobilidade em Portugal terão de acontecer nos próximos 4 anos. No entanto, estamos conscientes, por um lado, da urgência com que será necessário alterar o paradigma de mobilidade em Portugal e, por outro, da falta de atenção que os partidos com acesso à esfera governativa têm dado a estes assuntos. Estamos também cientes da força cultural do paradigma motorizado, que alterou a forma de muitos Portugueses viverem e habitarem as nossas cidades. Mudar a forma dos portugueses se deslocarem exigirá uma liderança política forte e inspiradora para as nossas cidades deixarem de decair a sua qualidade de vida, num espiral motorizado que nos degrada fisicamente e psicologicamente (principalmente os elementos mais frágeis da nossa sociedade como as crianças e idosos). Na MUBi somos sempre optimistas e terminamos esta avaliação com um optimismo moderado, convictos de que só uma participação cada vez mais activa da sociedade civil na vida política será a única forma de conseguirmos as mudanças necessárias num futuro que se deseja próximo.

MUBi 7 de Março de 2024

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